PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O SEMINÁRIO DE ANGRA
No final do segundo em que frequentei o Seminário Menor, em Ponta Delgada, ano não beneficiei das mordomias que me haviam caído como dádivas celestes, no final do primeiro. Os exames do segundo ano terminavam um ciclo e, por isso mesmo, eram de maior responsabilidade. Sendo assim impunha-se que os fizesse em conjunto com os outros alunos. Além disso, conceder-me novamente benesses idênticas às do final do primeiro ano seria muito injusto para os meus colegas. Assim fiz os exames juntamente com eles e aguardei a chegada do Cedros.
Realizados os exames, com resultados muito bons, despedi-me da magnífica cidade de Ponta Delgada que me acolhera durante dois anos e rumei até Angra, juntamente com os meus colegas das ilhas do grupo central. Trazia uma carta de recomendação para entregar ao Vice-Reitor do Seminário, o Senhor Cónego Jeremias (estranhamente, à altura, no Seminário de Angra não havia Reitor) que me acolheu de maneira muito simpática e me instalou, principescamente, num quarto dos teólogos, onde já vagavam vários, em virtude dos alunos ordenados já terem partido de férias. Aboletei-me no quarto número um, o primeiro à esquerda e o maior de quantos havia na “Avenida da Liberdade”. Esperei que os seminaristas acabassem os exames e partissem para férias, ficando apenas, no Seminário, os alunos das Flores, aguardando a chegada do Carvalho. Assim foi-me permitido, durante uns dias, conhecer e conviver com eles, na companhia de quem, dias depois, viajei para as Flores: o Fernando Gomes, o Caetano Serpa, o Aurélio Nóia e o Nuno Vieira.
Pese embora inicialmente estivesse pouco à vontade e bastante envergonhado, sobretudo na hora das refeições, pois não conhecia ninguém, aos poucos fui desabrochando, até porque muitos dos teólogos começavam a conversar e a meter-se comigo, admirados com a minha presença ali, o Agostinho Quental, o Raimundo, o Benjamim, o Manuel António, o Quaresma, o Fernando Gomes e muitos outros. Ajudava às missas de manhã, na capela de cima, em catadupa, para aliviar os que estudavam para os exames, descansava, comia, dormia e ia a São Rafael visitar meu pai. Foi o Caetano Serpa, natural da Ponta e que já me conhecia antes de eu vir para o Seminário e que também conhecia meu pai, que gentilmente me acompanhou, várias vezes, nas visitas, ao aperceber-se que eu revelara alguma apreensão e receio em realizá-las sozinho.
Depois dos exames terminarem, ficaram apenas os alunos das Flores. Durante esses dias tínhamos o privilégio de tomar as refeições no refeitório dos Superiores e junto com eles. Para além dos quatro professores das Flores, ainda ali estavam alguns das outras ilhas, os quais tive a oportunidade de conhecer, sendo que alguns deles seriam meus professores no ano lectivo seguinte.
Mas o que mais me fascinou, durante os dias que ali permaneci, foi aquele enorme edifício, situado nas antigas instalações do barão do Ramalho, na esquina da Rua do Palácio com a Rua do Rego, paredes meias com o palácio da Marquesa e em frente ao palácio dos Capitães e à Pide. Era um prédio monumental com três áreas transversais ligadas com uma frente altiva onde se destacava ao centro um enorme frontispício e com a parte traseira a ligar-se aos campos de futebol e recreios anexos. Comparado com o antigo colégio dos Jesuítas, de Ponta Delgada, era um edifício menos sombrio, menos assombroso e menos enigmático, desfruindo de uma imponência monumental, de uma grandiosidade graciosa e de uma claridade cativante. Os professores eram muitos e os alunos distribuídos por dez anos e agrupados em três prefeituras: Miúdos, Médios e Teólogos.