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A GRUTA

Terça-feira, 10.09.13

Quem subir as escaleiras da vereda que liga o porto da Prainha ao Caminho de Cima, deparar-se-á, à esquerda e encastoada na rocha magmática, uma bela e extraordinária gruta, rodeada, exteriormente, por um átrio. A gruta, altiva e sumptuosa, resultou de caprichos primordiais da natureza. O átrio, de postura elegante e encantadora, foi construído por mãos humanas talvez numa interessante e inédita tentativa, de preitear uma imaginária lenda de que não há memória, nem a história da gruta engloba, mas deveria englobar. Mas as lendas, quando as não há, inventam-se, pois nada de excepcional e extraordinário existe no Mundo, que não tenha na sua origem ou existência, uma explicação lendária.

Conta, então a lenda, e se não contou deveria ter contado, que há muitos e muitos anos, vivia na localidade da Prainha, nos primórdios da sua existência, uma rapariga chamada Natalina. Natalina era alegre, forte, folgazona, robusta e saudável. Mas, de repente e sem nenhuma explicação aparente, começou a definhar e a enfraquecer a olhos vistos, alimentando-se mal, perdendo as cores e desfalecendo frequentemente. Parecia que a morte se aproximava. Cuidava-se até que fosse mal olhado. A mãe bem a tentava salvar, dando-lhe chás variados e mezinhas diversas. Mas a moça nada. Piorava de dia para dia, contabescia a cada momento.

A mãe desabafava as suas mágoas junto das suas amigas que, procurando consolá-la, tentando diminuir-lhe as consumições e aliviar-lhe o desassossego, concluíam:

- Não é nada, mulher... Isso são coisas da idade. Ela não está com quinze anos? Então, é isso, mulher!

Mas a rapariga é que não melhorava, antes piorava a olhos vistos. Chamaram-se curandeiros, visitaram-na as bruxas e até o senhor padre foi mandado vir a casa para a assacramentar, mas nada disto veio aliviar o sofrimento de Natalina, nem sequer cercear a crescente consumição de sua mãe. O caso parecia não ter solução e aguardava-se um desfecho fatal.

Ora lá no alto da localidade, já quase nos andurriais da montanha, numa canada erma e sinuosa, vivia um fradinho, estimado e respeitado por todos e reconhecido pela sua generosidade, sabedoria e santidade. Acreditava-se que até milagres fazia, o bondoso e velho ermitão.

Chamado o frade, este olhou a menina com blandícia e pediu aos presentes que se retirassem, ficando a sós com ela, durante largos momentos. Depois retirou-se, silencioso e pensativo, mas não dormiu durante toda a noite.

A visita do frade, a casa da mãe de Natalina, no entanto, correu célere pela redondeza, reunindo, no dia seguinte, uma pequena multidão de curiosos que vinham daqui e de além, até junto à casa de Natalina, na expectativa de presenciar mais um milagre do taumaturgo fradinho. Mais se animaram todos, quando, pela hora do meio-dia viram o frade aproximar-se da casa e, juntamente com Natalina, rumar para as encostas sobranceiras à localidade, na direcção da gruta. Caminhavam trôpegos, arfando cansado, mas com ânimo e confiança escalaram a encosta pedregosa até atingirem a gruta, encravada num íngreme penedo, recoberto de verdura luxuriante, mas rodeada do átrio de entrada. A multidão, hesitante e estupefacta, seguia-os. Ali chegando, o monge ergueu os braços num largo e lento gesto de sinal da cruz e, ao murmúrio de piedosa prece, espargiu para o interior da gruta a água lustral que trouxera consigo numa pequena cabaça, presa a tiracolo por um cordão de “filaça”.

Naquele instante um enorme e violento tremor fez estremecer e abalar a terra, repercutindo-se por toda a ilha, deixando a multidão atónita, aflita, estupefacta e aos gritos. O mar, rugindo em doidas convulsões, projectou-se, violentíssimo, contra a impassibilidade das rochas, para retroceder de seguida, abrindo-se ao meio, dando passagem a um terrível e apocalíptico monstro que, saindo da gruta aos tropeções e em enorme velocidade, rolou pela encosta, caiu por entre as ondas abertas, imergindo e perdendo-se para sempre nas profundezas do oceano.

Narra ainda a lenda que Natalina, de imediato, retomou as suas cores, a sua beleza, a sua robustez e, sobretudo, a sua alegria de viver e que o fradinho, dias depois, morreu com fama de santo. Há quem diga que se alguém se postar à porta da gruta e espreitar um pouco para o seu interior poderá ainda ver, a caírem do tecto, por entre as ranhuras ressequidas da lava basáltica, várias gotículas de água, que os cientistas chamam estalactites, mas que os mais crentes cuidam ser vestígios das gotas de água lustral que o bom do fradinho atirou para o interior da gruta, exorcizando o demónio, oculto sob a forma de monstro e que, miraculosamente, ali permanecem através dos tempos.

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publicado por picodavigia2 às 21:18





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