PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A CACINA
A “cacina” era, antigamente, um dos jogos de cartas mais populares na Fajã Grande. Devido à sua nomenclatura deduz-se facilmente que teria sido um jogo trazido da América por tantos fajãgrandenses que, clandestinamente, demandaram a terra do Tio Sam, muitos deles fugindo da ilha nas baleeiras que ali paravam, sobretudo nas baías e enseadas da costa oeste, junto à foz das ribeiras, a abastecerem-se de víveres ou, também, por tantos outros que emigraram na legalidade para aquele continente, sobretudo, para as bandas da Califórnia. Uns e outros geralmente regressavam e, juntamente com algumas águias, muitos “candys” e um ou dois baús com roupas vistosas, traziam muitos usos, costumes e vocábulos americanos.
O jogo da “cacina” tornou-se bastante popular por ser muito simples, de regras fáceis e por poder ser jogado apenas por dois ou também por quatro mas, neste caso, formando dois pares.
Jogava-se com todas as cartas do baralho. Cada jogador recebia, do dador, quatro cartas, sendo viradas outras tantas sobre a mesa de jogo, com a face voltada para cima. O jogador que não dava as cartas ou que se lhe seguia era o primeiro a jogar, podendo juntar qualquer carta igual à que tivesse na mão ou, com excepção das figuras, somar as da mesa e juntá-las com uma de mão com o total da soma, por exemplo, se estivesse um cinco e um dois na mesa o jogador podia juntar as duas cartas com um sete. Podia ainda empalhar, ou seja, se estivesse um cinco na mesa e o jogador tivesse na mão um três e um oito, podia jogar o três, empalhando-o sobre o cinco, para na jogada seguinte o juntar com o oito. Esta jogada, porém, era arriscada, dado que se o jogador adversário estivesse atento e se tivesse um oito na mão podia antecipar-se e juntar as cartas ou se tivesse um ás e um nove, podia jogar o ás sobre o oito, somando ao oito do cinco e três mais um e anunciar nove, recolhendo na jogada seguinte, todas as cartas com o nove que possuía. As últimas cartas eram recolhidas da mesa pelo último jogador a juntar um par.
Cada jogo valia onze pontos assim distribuídos: 3 pontos por maior número de cartas (mais de vinte e seis), 1 ponto por ter mais espadas (sete ou mais), 1 ponto por cada ás, 1 ponto pelo “lou” (dois de espadas) e 2 pontos pela “big cacina” (dez de oiros).Cada jogador que conseguisse deixar a mesa vazia fazia um “sweep” e, por isso ganhava um ponto extra.
Ganhava o jogo o jogador ou par que primeiro obtivesse trinta pontos, os quais, após cada partida, iam sendo marcados numa tabuinha com dois carreiros paralelos de trinta furos, através de dois pequenos pauzinhos. O jogador que numa jogada não pontuasse “ia à figueira”.
Minha avó era uma jogadora “viciada” no jogo da “cacina”. Jogava com grande habilidade, enorme competência e, sobretudo, com tal concentração que sabia todas as cartas que saíam bem como as que ainda estavam por sair, o que lhe permitia uma enorme vantagem sobre os adversários.