PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A AGRICULTURA (DIÁRIO DE TI'ANTONHO)
“Esta malandragem de hoje não quer mesmo trabalhar, não quer fazer nada. Quer é boa vida e passar as tardes a descansar à Praça ou na banqueta da Casa de Espírito Santo de Baixo, na conversa e no mexerico ou, o que ainda é pior, no café da Chica a beber aguardente, traçados e cerveja. No meu tempo não era nada disto. Nem café havia e parar à Praça só em dias de muito mau tempo e aos domingos. Nos outros, dias, era trabalhar de sol a sol e muitas vezes pela noite dentro e alta madrugada. Antigamente, não havia pedaço de terra que não fosse cultivado. Mas não era só junto das casas. Muitos campos que hoje são relvas de pastagem e alguns até terras de mato, no meu tempo eram aproveitados para cultivar milho, batatas-doces, abóboras e feijão. Além disso, também se semeava trevo, erva da casta e alcacel nessas terras onde se amarrava o gado à estaca, nos meses de Março e Abril. Por isso é que dava gosto ver os estaleiros cheios de milho e as lojas cheias de batatas-doces.
Era uma alegria ver aqueles campos cheios de milho, de bata-doce, de alcacel, de trevo e, alguns, até de favas. Muitos eram grandes serrados, como aquele do Tomé, na Alagoinha que hoje é uma relva. Era uma lindeza ver estes serrados enormes, cheios de milho muito verdinho e bem tratado, muito bem sachados, mondados, abarbados e cuidados. Até no mato, os filhos do José Teodósio cultivavam milho.
Aproveitavam-se para a agricultura todas as belgas e niquinhas de terra nas ladeiras do Covão, da Bandeja, da Tronqueira e até do Calhau Miúdo e das Águas que produziam sobretudo batata-doce e feijão, mas que também eram muito bem tratadas e estrumadas com sargaço ou esterco dos palheiros do gado. E era tudo acarretado à costas pois não havia carros de bois e os corsões não chegavam a muitos sítios, pois só havia canadas onde não cabia uma junta de vacas. Trabalhava-se muito! Todas belgas e currais eram trabalhados e produziam boas colheitas. Os serrados junto das habitações assim como os das Furnas, do Areal e do Porto, na altura em que não tinham milho eram destinados também às couves que serviam de alimento aos animais. Até os cantos das terras, onde o arado não chegava se cavavam e eram aproveitados para o feijão, a ervilha, a fava, o alho e o milho de vassoura. Lá para cima, nos Paus Brancos, Pocestinho, Cabaceira e Espigão é que havia terras de mato, cheias de faias e, sobretudo de incensos que, para além de fornecerem a lenha eram aproveitados, sobretudo os incensos, para alimento do gado, no Inverno. Pelo meio havia inhames que precisavam de ser trabalhados e feitos e cana roca que também eram ceifados e aproveitados para cama do gado nos palheiros e para os currais dos porcos. Hoje muito disto mudou. Em muitas terras já não se cultiva nada. Eu é que já não posso e fico muito triste ao olhar para algumas terras que noutros tempos eram bonzíssimas para milho e hoje só dão lenha e inhames. A agricultura do meu tempo era muito trabalhosa mas tínhamos sempre os nossos estaleiros bem cheiinhos de milho. Meu pai geralmente tinha que fazer um de tripé porque o grande não levava o milho todo. Eram outros tempos…”