PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A BELA AURORA
Aurora, apesar de pobre e desafortunada, era uma mulher de beleza rara e de uma simpatia contagiante. Essa a razão pela qual na pequena localidade onde vivia, na mais recôndita das ilhas açorianas, todos lhe chamavam A Bela Aurora. Era sobretudo os homens que mais a admiravam mas também a provocavam, não apenas por ser muito bela mas também e sobretudo porque era muito corajosa e anamuda, pois não tinha medo de nada, nem de coisa nenhuma. Aurora vivia sozinha na sua pobre casa. Os pais haviam falecido há muito e, embora tivesse muitos pretendentes, nunca se casara.
Certo dia já não podendo suportar as afrontas e os vis vitupérios de que era vítima por parte dos homens, nem a inveja e as intrigas em que a imiscuíam as mulheres, Bela Aurora, perante o espanto de todos, decidiu abandonar o povoado e ir viver para mato.
Subiu a Rocha, atravessou valados e grotões, rebolou-se sobre a fresca alfombra, sobre a qual dormiu a primeira noite, acordando encharcada com o sereno da madrugada. Cá em baixo, no povoado, todos estavam admirados e não sabiam como A Bela Aurora estava a dormir, sozinha de noite, no mato, naqueles tenebrosos e esconsos andurriais e não tinha medo.
No dia seguinte, decidida a continuar a viver ali, isolada e longe de todos os que a afrontavam, a Bela Aurora procurou uma pequena furna encravada na aba duma enorme pedra, rodeada de um denso arvoredo. Apanhou alguns fetos que vicejavam por ali perto, arranjou uns paus de cedro e fez uma pequenina cama, onde, na noite seguinte dormiu um sono, muito descansada.
Mas ao levantar-se, na manhã seguinte, sentiu muita fome, pois já não comia há dois dias Deu algumas voltas à procura de alimentos e, como nada encontrasse que lhe saciasse a fome, começou a chorar e no seu pranto dizia:
- Desviado de Deus seja, desviado de Deus seja, quem do meu bem se desvia. – E repetia com voz dolente como se fosse em eco - Quem do meu bem se desvia.
Preocupadas, algumas mulheres do povoado, mais bondosas e caritativas, vizinhas e amigas de Aurora, decidiram ir procurá-la, levando um retrato dela, a fim de ser mais fácil identificá-la.
Porém ao aproximarem-se dela, a Bela Aurora recusou-se a regressar com elas ao povoado. Já encontrara frutos, raízes silvestres, leite e mel com que se alimentava e vivia ali muito feliz. As mulheres nada puderam fazer, não conseguindo demovê-la da sua teimosia.
Antes de regressar a casa, despediram-se de Aurora e uma delas, a mais amiga da Bela Aurora, dizia em dolente cantoria:
- Trago o retrato da Aurora
Trago o retrato da Aurora
Na roda do meu vestido;
Na roda do meu vestido;
Antes que a Aurora se vá
Antes que a Aurora se vá
Fica o retrato comigo
Fica o retrato comigo.
Então as outras formando uma grande roda ao redor da Bela Aurora cantaram e dançaram:
- Dá-me os teus braços Bela Aurora
Dá-me os teus braços Bela Aurora
Ó Bela Aurora,
Adeus que me vou embora
Ó Bela Aurora,
Adeus que me vou embora.
Consta que foi assim que nasceu a canção da Bela Aurora que ainda hoje se canta em todas as ilhas e localidades açorianas.