PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A BELA INFANTA
“A Bela Infanta” é um poema romanceado da tradição popular portuguesa, recolhido por Almeida Garret e muito divulgado e conhecido em todo o país. A Fajã Grande que sempre se revelou, talvez devido ao seu isolamento, como um excelente e amplo viveiro de desenvolvimento de textos orais, não podia alhear-se deste, assim como de um outro muito conhecido, “Nau Catrineta”. Tal como os outros rimances, “A Bela Infanta” contava-se aos serões das longas noites de Inverno, mas com algumas pequenas diferenças do texto recolhido por Almeida Garret, sobretudo por utilizar algumas palavras ou expressões que eram utilizadas na linguagem típica e corrente na freguesia e até na ilha das Flores. Rezava mais ou menos assim:
“Estava a bela Infanta
No seu jardim assentada
Com o pente de oiro fino
Os seus belos cabelos penteava.
Voltou os seus olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem que a governava.
- «Dize-me tu, ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste o meu marido
Na terra que Deus pisava.»
- «Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada...
Diz-me tu, ó senhora,
As senhas que ele levava.»
- «Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava.
- «Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer de morte matada:
Eu sua morte vingava.»
«Ai triste de mim viúva,
Ai triste de mim coitada!
Das três filhinhas que tenho,
Nenhuma delas é casada!...»
- Que darias tu, senhora,
A quem o trouxesse aqui?»
- «Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por aí.»
- «Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem o trouxesse aqui?»
- «Os três moinhos que tenho,
Todos três são para a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói o gerzeli:
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei para si.»
- «Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem o trouxesse aqui?»
- «As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim.»
- «As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem o trouxesse aqui?»
- «De três filhas que tenho,
Todas três são para ti:
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir.»
- «As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui.»
- «Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir.»
- «Tudo, não, senhora minha,
Que inda não te deste a ti.»
- «Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo,
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!»
- «Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti...
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-la aí!»
- «Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!...
Deus te perdoe, marido,
Que me ias matando aqui.»”