PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A CANADA DO PICO DO AREAL
Um dos mais emblemáticos e belos lugares da Fajã Grande era o Pico, em cima do qual estava bem escarrapachada a casa de Vigia da Baleia. O Pico que nas suas formas e feitio fazia lembrar os restos de um antigo pequeno vulcão, embora formasse um todo, uno e indivisível, em termos de nomenclatura estava divido em dois lugares. A encosta ocidental, voltada para o mar, mais seca, mais arenosa, mais estigmatizada por salmoura e ventos fortes e, consequentemente, menos produtiva e verdejante, formava o chamado Pico do Areal. Por sua vez a encosta leste, voltada para o interior da ilha, estava sujeita a mais chuvas e humidade, bem como protegida das intempéries marítimas. Nela proliferavam boas relvas, excelentes belgas de batata-doce e uma enorme e verdejante mata que se prolongava ao longo do Caminho da Missa, até à Eira da Cuada. Pelo contrário a encosta marítima proliferava em aridez, sequidão e esterilidade e floresciam enormes e desconexos canaviais ou simplesmente cobria-se da abrupta rudez primordial ornando-se de cascalhos e pedregulhos. Um e outro destes lugares tinham canadas de acesso distintas.
A via que dava acesso ao Pico e à Vigia era a Canada do Pico. Para se subir ao Pico do Areal e às paupérrimas propriedades ali existentes tinha-se acesso pela Canada do Pico do Areal. Esta canada iniciava-se precisamente no Canto do Areal, no local onde terminava a, na altura, desconexa via marginal que se iniciava junto ao Campo de Futebol das Furnas. Subiam-se várias voltas, escarpadas e arenosas, traçadas obliquamente. Assim e à medida que se subia ia-se caminhando na direção da Fajãzinha, tendo ao fundo o oceano. A meio da subida, do lado do mar uns enormes calhaus. Por entre eles pedaços do oceano ora prateado ora revolto. Quando revolto o marulhar roufenho das ondas subia por ali acima como se fosse em eco. Os terrenos circundantes a esta canada e aos quais ela dava acesso eram pequenas belgas, uma ou outra trabalhada onde, a muito se custo, se cultivava a batata-doce. Outras eram pequenas relvas para onde apenas se podiam levar ovelhas pois ao gado vacum era impossível subir a canada. Dessas secas relvas apenas retirava-se somente os fetos para cama do gado. De resto canaviais, urze, e faias pequeníssimas e secas fustigadas permanentemente por ventos e salmoura. Por tudo isso era pouco frequentada esta canada. Meu pai tinha lá uma pequena relva constituída por duas ou três belgas de muito fraca qualidade para produzir erva. Muitas vezes ia lá levar a minha ovelha a pastar. Adorava aquele local. Pela sua aridez, secura e por se debruçar, permanentemente, sobre o mar quer ele estivesse manso ou bravio. No horizonte, navios vindos da América rumavam a norte, com destino à Europa. Um outro para o sul, talvez para o Mediterrâneo ou para a África Alem disso de lá, bem do alto desfrutava-se duma bela vista sobre o mar e grande pate da Fajã. Em frente, divisava-se o Atlântico, desde da Rocha da Ponta até à Rocha dos Bredos. No verão azulado e manso, no inverno revolto e esbranquiçado de espuma, ornamentado pelo Monchique e pela Baixa Rasa, como que envolvendo e abraçando sem disfarce e sem vergonha, em semicírculo, a extensa fajã, desde a Ponta à Eira da Cuada. Depois, mais perto, a extensa mancha negra, basáltica e rendilhada do baixio, com os seus caneiros e enseadas, onde se destacavam ali bem perto a Poça das Salemas, o extenso Canto do areal e o lugar onde, na noite de 25 de Maio de 195 naufragou a famigerada Bidarta. Mais além o Redondo, a Retorta, o Caneiro das Furnas, a Baia de Água e o Poceirão com o Calhau da Barra a fiscalizar passagem para o Atlântico. Mais além, espraiava-se a enorme Baía e a parte mais alta das cascatas da Ribeira das Casas e do Cão. A rocha das Ponta, o ilhéu do Cão e uma boa parte do casario. Já mais perto, a igreja rodeada pelas casas ordenadas em arruamentos simétricos, umas brancas outras cinzentas, com os seus telhados avermelhados, aglomerando-se e misturando-se com cerrados, belgas e courelas onde florescia milho, batatas e couves.