PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A FILHA REJEITADA
(CONTO POPULAR)
Era uma vez uma mulher muito bonita que tinha uma estalagem e a todos os homens que lá se hospedavam perguntava se tinham visto uma mulher mais bonita do que ela. Ela tinha uma filha mais bonita do que ela mas mantinha-a fechada para ninguém a ver. Disse-lhe um dia um almocreve, depois dela lhe fazer a pergunta habitual:
- Ainda agora ali vi uma mulher mais bonita do que vossemecê, debruçada a uma janela a pentear os seus belos cabelos.
-Ai, sim! É a minha filha. Vou mandar matá-la.
E mandou dois criados levá-la a um monte para a matar, mas a rapariga pediu-lhes que a não matassem, que a deixassem abandonada ali, mas viva, que prometia não mais voltar a casa da sua mãe. Os criados tiveram dó dela e deixaram-na, sozinha, no monte. Ela foi andando, chegou a uma serra e viu uma casa que parecia abandonada. Era noite e ela com intenção de pedir guarida, bateu à porta, mas não encontrou ninguém. Entrou para dentro e fez a ceia, e assim que a acabou de a fazer, escondeu-se. Nisto chegaram uns ladrões que vinham de fazer um roubo e, depois que viram a ceia feita, começaram a dizer:
- Ai! Que bom! Quem nos dera saber quem é que fez a ceia. Se por aí está alguém, apareça.
A rapariga apareceu-lhes e contou-lhes a sua sorte. Eles, lamentando o sucedido disseram-lhe:
- Agora não se aflija. Há-de ficar connosco e havemos de trata-la como nossa irmã.
Daí por diante os ladrões lá iam para os seus roubos e ela ficava sempre a arrumar e a limpar a casa e fazer-lhes a comida. Eles estimavam-na, respeitavam-na muito e tratavam-na com amizade e carinho.
Ora havia uma velhota que ia muitas vezes à estalagem da mãe dela que andava sempre em recados por muitas terras. Certo dia, a mãe disse-lhe:
- Você, como anda por muitas terras, diga-me se já viu uma cara mais linda do que a minha?
E ela disse-lhe:-
Vi, vi uma rapariga que ainda era mais linda que você, num monte, muito distante daqui.
- Você quando volta para lá? Quero que lhe leve uns sapatos.- E deu uns sapatos à velha, dizendo-lhe:
-Leve-lhos e diga-lhe que é a mãe que lhos manda; mas ela que os calce antes de você de lá sair; eu quero saber se é certo que ela os calça, a fim de ter a certeza de que é a minha filha. Olhe que eu pago-lhe bem.
A mulher levou os sapatos à filha. Ao chegar lá, disse-lhe:
- Aqui tens estes sapatos, que te manda a tua mãe.
A rapariga respondeu
- Eu não quero cá sapatos nenhuns; meus irmãos dão-me quantos sapatos eu quiser; não os quero.
A velha teimou tanto com ela que a rapariga pegou neles; calçou um, fechou-se-lhe um olho; calçou outro, fechou-se-lhe o outro olho e ela caiu morta. Depois vieram os ladrões, choraram muito ao pé dela, lastimaram muito a morte dela e depois disseram: «Esta cara não há-de ir para debaixo da terra; levemo-la num caixão à serra que vem lá o filho do rei à caça para ele ver esta flor.»
Depois levaram-na a esse sítio; veio o filho do rei e viu-a e achou-a muito bonita e depois tirou-lhe um sapato e ela abriu um olho, tirou-lhe outro, abriu outro olho e ficou viva. O príncipe levou-a para o seu palácio e casou com ela e foram felizes para sempre.
Conto Popular, baseado na versão de Adolfo Coelho