PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A FURNA DAS MEXIDEIRAS
Na Fajã Grande, no lugar das Furnas, junto ao mar, em frente a uma enseada chamada “Caneiro das Furnas”, existia uma enorme furna conhecida como “A Furna das Mexideiras”. Tratava-se de uma gruta, isto é, uma cavidade natural rochosa com dimensões que permitiam que um ser humano pudesse perfeitamente lá entrar e percorrê-la, embora, agachado. Na altura, cuidava-se que esta gruta teria um prolongamento horizontal, em forma de galerias subterrâneas intercaladas com alguns espaços mais amplos e com uma extensão considerável que atingiria a rua da Via d’Água. Como muitas outras grutas existentes nos Açores, algumas, actualmente, já exploradas e transformadas, parcialmente, em roteiros turísticos, a “Furna das Mexideiras” teria sido originada por um conjunto de processos geológicos, envolvendo uma combinação de transformações químicas, tectónicas, biológicas e atmosféricas. Devido às condições ambientais exclusivas deste tipo de orifícios naturais subterrâneos, nestas grutas, geralmente, não existe fauna e a flora, para além de rara, é específica de ambientes escuros e, consequentemente, despojada de vegetação nativa.
Sobre a Furna das Mexideiras da Fajã Grande das Flores, nunca explorada, mas ainda hoje existente, na década de cinquenta, circulavam muitas estórias, algumas delas, até um pouco sinistras e apavorantes. Contava-se, por exemplo, que um certo homem tentara entrar por ali dentro com uma lanterna mas ela apagou-se. O homem voltou a acendê-la, mas sempre que o fazia a lanterna apagava-se. Havia ali algo de misterioso, do outro mundo que impedia que a lanterna se mantivesse acesa. Outro homem que nela também entrara, de lá nunca mais saiu. Muitos homens que por ali haviam passado viam luz no interior da gruta, outros, nevoeiros a sair pela abertura exterior e muitos chegaram a ouvir gritos aflitivos. Também havia quem acreditasse e jurasse a pés juntos, de que aquela furna era a morada e o esconderijo das Mexideiras. Estas eram uma espécie de monstros estranhos, com aspecto semelhante ao diabo, em forma de mulheres que ali permaneciam durante o dia e que, apenas durante a noite, saíam do esconderijo para perseguir e atacar os mortais. Quem passasse em frente à gruta, à noitinha, em dias de temporal, podia ouvir perfeitamente, os seus ruídos e barulhos, umas vezes gritos ruidosos e barulhentos outras gaitadas finas e alegres, muito esganiçadas a ecoarem nas paredes da furna. Havia, porém, quem cuidasse e dissesse que aqueles gritos eram das cagarras que aflitas e quase a morrer, ali se escondiam, quando impossibilitadas de chegar aos seus esconderijos naturais, nas encostas do Pico do Areal. Muitas pessoas, porém, acreditavam que eram mesmo os gritos de festa e de regozijo ou então de dor e aflição das malditas. Os mais crentes ouviam-nos perfeitamente, pois cuidavam que elas andavam ali, à solta, a retoiçar, a rebolar, à espera da hora da saída, ou seja à meia-noite, porque só a partir dessa hora podiam sair do esconderijo e circular livremente fora da gruta. Também diziam os sonhadores de tesouros perdidos que aquela furna escondia um enorme tesouro, deixado ali por piratas que se haviam escondido de outros piratas e tinha morrido lá dentro. Em respeito pelos falecidos ninguém poderia lá ir procurar o tesouro. E a verdade é que ninguém ousava ali entrar para recuperar o tesouro ou fosse para o que fosse. Minha avó contava que Pai Cristiano (o homem que a criara desde criança e após a morte da mãe) certa noite, ao voltar da pesca, passou em frente à furna e ouviu um barulho assustador. Hesitou entre ir ver o que se passava ou fugir para casa, neste caso ficaria cheio de medo e nunca mais por ali passaria. Decidiu-se, então, por ir lá, ver o que se passava. Era uma matilha que para ali havia levado a cabeça de um carneiro. Cada cão latia ferozmente e lutava freneticamente a fim de obter um naco do pitéu. Era uma algazarra tremenda!
Que a Furna da Mexideiras existia, era verdade, que era mítica e lendária, lá isso, também, era. E o medo que eu, em criança, tinha de passar por ali!