PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A GROTA DA FIGUEIRA
A Grota da Figueira, como todas as outras grotas e ribeiras da Fajã Grande, situava-se na rocha. Neste caso recebera o nome da Rocha onde nascera e pela qual escorria, dia e noite, através de inúmeros veios, regatos e grotões. Era pois na rocha com o mesmo nome que a Grota da Figueira tinha o seu curso e cuja água descia escondida entre o verde dos musgos, a serpentear por entre rochedos, caindo, finalmente, em chão raso, onde formava uma espécie de rego que ia alimentando as ervas das várias lagoas que ali existiam.
A Rocha da Figueira, a tal que dava o nome à grota, situava-se paredes meias com a Rocha propriamente dita, aquela que dispunha da principal vereda de acesso ao Mato. Do lado sul ou seja da banda da Fajãzinha a, Rocha da Figueira ligava-se ao Cabeço da Rocha e à Escada-Mar que se prolongava até aos Paus Brancos. Era aí que tinha o início do seu curso a grota que possuía uma enorme importância para os donos das pastagens do lugar da Figueira, estas sim, já situado em terreno chão, nos arrabaldes da rocha, formando um enorme vale, encastoado ente a Rocha e a Silveirinha. A água que escorria da rocha, de tão abundante que era, alimentava de tal modo as pastagens circundantes do lugar da Figueira, transformando-as em terrenos pantanosos, fazendo com que a erva crescesse tanto que as transformava em lagoas como as das Covas, da Ribeira das Casas, das Águas, etc. Como grota assumia a forma de rego por onde corria, havia entre os donos dos terrenos existiam espécies de leis consuetudinárias que iam determinando o modo e o tempo como cada propriedade se havia de abastecer equitativamente da água. É que assim como noutros lugares, nomeadamente na sua congénere Rocha do Vime, lá para os lados da Ponta, a Rocha da Figueira também era quase toda ela sulcada por pequenos veios de água, uns a enriquecerem o caudal da grota, um ou outro a escorrer, isoladamente, até ao sopé da rocha, perfurando chão, a perdendo-se nas suas entranhas, para mais a baixo, já em terreno plano, reaparecer, engrossando o caudal da grota, esta sim a transformar as pastagens ali existentes em lagoas, onde juntamente com a erva, também cresciam inhames e até floresciam agriões, muito utilizados na humilde culinária fajãgrandense.
Era assim a Grota da Figueira não só a contribuir para a frágil e débil economia de quem tinha ali propriedades mas também a conferir aquele lugar e à rocha sua homóloga uma beleza extraordinária, uma frescura paradisíaca e uma riqueza prosperante. Era a erva, de excelente qualidade, a alimentar as vacas leiteiras e os inhames e os agriões a engrandecerem o cardápio dos humanos. Para além da quantidade, os inhames daquelas paragens, assim como os de outras lagoas da Fajã, nomeadamente os da Ribeira das Casas, eram de excelente qualidade.
Não parece nada fácil descortinar a origem deste topónimo. Decerto não seria por terem existido em tempos idos, quer na Rocha quer no chão, figueiras. A figueira propriamente dita, na Fajã Grande florescia nos terenos secos e quentes da beira-mar, quer nas Furnas, quer no Areal e, sobretudo, no Porto, onde cresciam figueiras de figos pretos e de bacorinhas, sobre os maroiços junto com uma ou outra parreira. Por sua vez a figueira dos tão apreciados figos pingo de mel crescia junto das casas e também não existia naquele lugar. É possível que outrora tenha existido naquele sítio, para espanto de todos e excecionalmente, uma única figueira e, esse facto, tenha merecido a atenção de quantos ali passavam e dado nome ao lugar e à rocha. É uma hipótese. Outra é a de que existe uma espécie de figueira que tem o seu habitat em terrenos húmidos, conhecida como figueira-brava, mas não consta que esta existisse na ilha das Flores. Também há quem chame à hera, figueira-trepadeira, uma planta com raízes adventícias pequenas que se prendem a qualquer superfície, incluindo pedregulhos, permitindo que a planta cresça nas rochas, hipótese que também não parece muito viável, apesar de ali existir muita hera
Resta uma última hipótese. Seria alguém de nome ou apelido Figueira que tivesse qualquer relação com aquele lugar, assim como o lugar de Mateus Pires, o Ilhéu do Constantino e outros lugares da toponímia fajãgrandense. É verdade que o apelido Figueira não era muito comum na Fajã Grande na década de cinquenta, mas também é verdade que o topónimo Figueira e seus derivados que deriva do latim vulgar ficulnea, é bastante comum em Portugal e na Galiza, assim como os seus derivados Figueiral, Figueiras, Figueirinha, Figueirinhas, Figueiros, Figueirosa, Figueiroso, Figeiró, etc. Existem também na língua portuguesa algumas palavras parecidas com figueira, como fagueira, fogueira, figura, figurei, fuseira, faisqueira ou até o apelido Fragueiro ou Fragueira, este sim muito comum na Fajã Grande. Qualquer uma delas poderia ter evoluído, popularmente, para Figueira.
Mas ficará sempre a dúvida. O certo é que a Grota da Figueira, situada na Rocha com o mesmo nome, lá bem no coração da Fajã Grande, sempre foi e talvez permaneça ainda hoje como um dos cursos de água mais importante, mais histórico e mais emblemático da Fajã Grande, uma espécie de subafluente da Ribeira das Casas que com o seu caudal engrandecia uma das principais ribeiras que atravessava a freguesia designada simplesmente por Ribeira e que não era mais do que a continuação da Ribeira dos Paus Brancos que ia desaguar na Ribeira das Casas, já muito perto da foz desta.