PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A IDA AO MOINHO
A agricultura, juntamente com a pecuária, pelo menos até à década de cinquenta, foram, como é sobejamente conhecido, os pilares fundamentais da economia da Fajã Grande, bem como de todas as freguesias das Flores e dos Açores. Tradicionalmente, nesta como em quase todas as freguesias açorianas a agricultura tinha o seu epicentro no cultivo e na produção do milho.
A importância do milho na economia da Fajã Grande era tão grande que, nas décadas de cinquenta e sessenta do século passado, este era frequentemente utilizado como moeda de troca e como meio de pagamento de serviços de vária, num contexto, marcado por uma economia de subsistência. Pagava-se um dia de trabalho com um alqueire de milho ou o equivalente ao seu preço. Da mesma forma se pagava o culto e outros serviços.
Terra que produz milho terá que ter moinhos. E a Fajã não era exceção. Havia-os junto às ribeiras do Cão e das Casas, sendo que eram sobretudo os que se situavam nas margens da Ribeira das Casas, que serviam a população da Fajã, enquanto a Ponta beneficiava dos da Ribeira do Cão. Por sua vez os habitantes da Cuada levavam as suas moendas aos moinhos da Alagoa, já em território da Fajãzinha.
Os moinhos da Ribeira das Casas eram três. Dois pertenciam ao Tio Manuel Luís e o terceiro, conhecido por Moinho do Anjinho, mas que deveria ser uma deturpação popular de Moinho do Engenho, pertencia a uma sociedade, constituída por vários donos. Construídos em locais de rara beleza, um deles foi transformado, recentemente, em vivenda, e, necessariamente junto a um curso de água com um potente caudal, os moinhos tinham o inconveniente do relativo isolamento e da distância das habitações. Além disso, as veredas de acesso não era as melhores e as moendas, nas idas e vindas tinham que ser carregas às costas ou à cabeça. O transporte dos cereais para os moinhos, como se pode verificar em escritos e imagens ou até em poemas como o da Moleirinha de Guerra Junqueiro, nas mais diversas regiões do país, era normalmente feito a dorso de burros. Na Fajã Grande, porém, era às costas dos homens ou cabeça das mulheres.
As idas ao moinho, tarefa quase exclusiva das mulheres e das crianças, no entanto, por vezes transformavam-se em espécies de romarias, ora cruzando-se uns que iam, outros que vinham, ora cavaqueando enquanto esperavam, no próprio moinho, que a moenda estivesse moída. Assim podia dizer-se que ida ao moinho era uma espécie de ritual, e o moinho um espaço de convívio social de eleição, não sendo rara a circunstância de muitas vezes as pessoas, sobretudo da mesma rua, se juntarem a fim de se deslocarem em grupo.
Uma vez no moinho, cada moenda era identificada e pesada, pelo moleiro, geralmente, na presença dos donos, pesagem que seria determinante para a definição da maquia a que o moleiro tinha direito.
As épocas de maior actividade nos moinhos coincidiam com as colheitas, particularmente nos meses de setembro, outubro e novembro, altura em que se verificava uma afluência muito considerável de pessoas aos moinhos. Na Fajã Grande e nas Flores, contrariamente, a outras ilhas do arquipélago, não havia moinhos de vento. A água era abundante e suficiente para os mover. Pelo contrário, o vento era forte de mais.
Na Fajã Grande existiam, na maioria das casas, pequenos moinhos manuais utilizados para moer o milho, mas em pequenas quantidades, quando este estava verde. A farinha ficava muito grossa e servia apenas para fazer papas. Eram as chamadas Papas Grossas. Na Fajã Grande também não havia atafonas
Ir ao moinho era fundamental na Fajã Grande, pois todo pão era cozido em casa. E não era pouco. O milho era levado ao moinho em sacas de pano que vinham da América, trazendo as encomendas. O pano destas era muito bom e já continha em grandes letras o nome do dono. Competia a cada agricultor ou a um membro da sua família levar a sua própria moenda ao moinho, mas geralmente as raparigas gostavam de ir ao moinho. É que sendo estes longe do povoado, beneficiavam de uma saída de casa que, geralmente, aproveitavam quer para por em dia a conversa com os namorados quer para iniciar um primeiro namorico. Na ocasião em que se entregava a moenda era combinado com o moleiro o dia em que estaria pronta.
Ao moleiro competia apenas moer o milho, pagando-se ele próprio do seu trabalho através da tal maquia de farinha que retirava de cada uma das moendas. Como geralmente não a utilizava para uso pessoal, dado que ele próprio também tinha as suas terras de milho, vendia-a compensando assim todo o trabalho que tinha e as horas que passava no moinho, onde geralmente pernoitava, pois a substituição de cada moenda era manual.
Hoje, os moinhos são relíquias de um passado longínquo, que encerra muitas histórias humanas de sacrifícios e sofrimento do trabalho árduo para obter o pão de cada dia. Infelizmente os moinhos da Fajã parecem não ter sido conservados da melhor forma, contando as histórias que se perderam no tempo.