PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A IGREJA DE SÃO JOSÉ DE PONTA DELGADA
Quando pela primeira vez, no longínquo ano de 1958, demandei a cidade de Ponta Delgada, a fim de frequentar o Seminário Menor de Santo Cristo, o monumento da arquitectura religiosa que logo me impressionou naquela urbe micaelense, por uma dupla razão, foi a igreja de São José. Primeiro porque São José também era o padroeiro da igrejinha da minha terra natal e, em segundo lugar, ficava-me no encalce do casarão que ma havia de recolher e abrigar durante dois anos. Na realidade, o percurso entre a doca, onde o Carvalho, juntamente com mercadorias e bagagens e um magote de gente, me despejara bem como um grupo de jovens oriundos das ilhas “de baixo” e o Seminário Menor, situado no antigo Convento Jesuíta, na Avenida Gaspar Frutuoso, era curto, acessível e rápido. Saía-se da doca, voltava.se à direita, circulava-se num pequeno troço de rua, entre o Castelo de São Brás e o Hospital e estávamos, de imediato, no largo de São Francisco. Depois, mais duas ou três ruas e chegava-se ao Seminário. Curiosamente, o largo de São Francisco e a Avenida Gaspar Frutuoso, conhecida também por avenida dos Milionários eram os espaços da cidade de Ponta Delgada mais falados, mais badalados, mais discutidos, mais divulgados na Fajã Grande e os quais me habituara a ouvir referenciar, como marcos de estadia obrigatória, por quantos vinham a S. Miguel, por doença, para a tropa ou para tirar os papéis para ir para a América. O largo de São Francisco, porque nele se situava o admirável e histórico Santuário do Senhor Santo Cristo, onde todos os que visitavam, pela primeira vez, a ilha do Arcanjo, procuravam entrar, não apenas para rezar mas também para colocar uma vela acesa diante da imagem milagrosa e a rua dos Milionários por nela estar sediado o Consulado Americano, local de passagem obrigatória e inevitável, de quantos demandavam os Estados Unidos da América.
No entanto, estranhamente, o que mais ali prendeu a minha atenção foi a magnífica e majestosa igreja de São José. Por um lado a sua enorme fachada branca, toda debruada a tiras de basalto negro e vulcânico, com uma infinidade de portas e janelas que lhe davam um ar alegre, risonho e fantasista e, por outro, porque sendo o seu padroeiro São José, fazia-me lembrar a pequenina igreja da minha freguesia, com o mesmo orago, mas bem mais simples e humilde. Ao fixar a torre sineira, com o seu emaranhado de sinos - três à frente e outros tantos nos lados, - imaginava como seria fantástico, harmonioso e sublime fazer repicar simultaneamente todo aquele minúsculo carrilhão. E encheu-se-me o peito de uma saudade enorme, dos tempos em que subia a sineira da igrejinha da Fajã, para tocar Trindades Dobradas. De toda a garotada da freguesia, eu era o único que sabia tocar devidamente os sinos. Meu tio era o sacristão e eu aprendera com ele. Casando-se, o que aconteceria em breve, abandonaria o cargo. Pensando que um dia havia de lhe suceder, eu já tinha sido iniciado na prática e no acompanhamento das diversas cerimónias litúrgicas e celebrações religiosas. Já sabia de cor, em latim, o "Confiteor" e as respostas ao "Introíbo" e ao "De Profundis". Apenas um senão pesava contra a minha contratação e que levara o Senhor Padre Pimentel a adiá-la indefinidamente: a exígua altura de que dispunha, na opinião do reverendo, não se adequava às exigências preliminares e posteriores ao Santo Sacrifício - acender e apagar as velas dos altares. É verdade que eu jurara solenemente resolver o problema, subindo a uma cadeira e, se necessário, até saltar para cima dos altares, actos que o pároco condenava e reprovava radicalmente, quer porque os considerasse pouco litúrgicos, quer porque, tendo em conta a fama de estroina que eu tinha, corria o risco iminente de, na descida, trazer algum santo embrulhado comigo, estatelando-o no chão.
A minha especialidade, porém, era o toque dos sinos. Era exímio!... Tocava-os como ninguém e de acordo com as exigências de cada festa, celebração ou momento litúrgico.
Animava-me a esperança de que um dia, ali naquela igreja ou na do Seminário se a houvesse, eu ainda havia de tocar os sinos.