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A LADEIRA DA ASSOMADA

Sexta-feira, 14.02.14

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, existiam dois lugares com o nome de “Ladeira”, sendo que ambos estavam situados em encostas. Um, abrangia toda a encosta do planalto do Mimoio, sobranceiro ao lugar e à rua da Tronqueira e era conhecido simplesmente pela Ladeira. O outro ocupava toda a verdejante e bem extensa encosta do Outeiro e Outeiro Grande, desde da Cruz até ao Covão e sobrepunha-se à rua da Assomada, em quase toda a sua extensão, desde a Praça ao Vale da Vaca. Para distinguir estes dois topónimos, o segundo era designado por Ladeira da Assomada.

A Ladeira da Assomada era uma enorme encosta, encastoada no Outeiro e sobranceira à Assomada. A zona mais baixa e próxima das habitações era ocupada por terrenos agrícolas de pequena extensão, nalguns casos belgas, sobrepostas umas às outras e, noutros casos, pequenas courelas, anexas às próprias habitações. A sua pequena extensão e a fraca qualidade do terreno, já um pouco encastoado no Outeiro, faziam com que ali apenas se cultivassem algumas hortaliças e um outro pé de milho. Mas o maior aproveitamento de quase todas estas pequenas terras era para o cultivo da batata-doce.

A estas pequenas belgas e courelas seguia-se um espaço de relvas. Mas eram, também, tão pequenas e tão pouco produtivas que nunca se destinaram a pastagens de bovinos. Muitas delas serviam de estendais de roupa enquanto noutras eram amarradas ovelhas. Algumas, ladeadas por densos canaviais, serviam mesmo de currais para as galinhas.

Finalmente, na parte superior da encosta, também ela pouco fértil e povoada por enormes pedregulhos, alguns deles muito salientes e a ameaçar derrocadas, havia uma zona arborizada. No entanto tratava-se de pequenos arbustos como a queiró, o sanguinho, pau-branco, faia, vinhático, espadanas e um ou outro loureiro. Espalhadas por entres estes arbustos e a destacarem-se pelo seu tamanho uma ou outra “babosa”, entre as quais tinham lugar de relevo duas gigantes, conhecidas pelas babosas do Farnande, dado que se situavam numa propriedade pertencente aos filhos de Ti Manuel Rosa, um dos quais se chamava Fernando. Mas o que mais existia na Ladeira da Assomada eram canas, de todos os tamanhos, grossuras e feitios e que eram aproveitadas para fazer bardos, portões, separadores e sobretudo para as crianças, que ali as iam apanhar com frequência, fazerem os seus brinquedos preferidos: botes de baleia e instrumentos musicais. Também se usavam as canas para fins domésticos pois com elas se construíam os canudos de assoprar o lume, esteiros para os queijos escorrerem o soro, paus para lavrar tripas e estacas para subirem os feijoeiros.

A razão deste topónimo, parece, logicamente, ter a ver com a sua forma estrutural, uma vez que a palavra “ladeira” significa precisamente, uma inclinação acentuada de um terreno, embora na Fajã Grande a palavra se usasse para designar a inclinação acentuada de um caminho e, com este sentido, havia, na Fajã Grande, vários topónimos: Ladeiras do Covão, Covas, Calhau Miúdo, Ponta, Fontinha, Biscoito, Pessegueiro, Bandeja, Alagoinha, Batel e muitas outras.

A Ladeira da Assomada era uma espécie de lugar mítico para a ganapada, sobretudo para os que moravam ali perto, uma vez que, ora servia para lugar de jogos e brincadeiras ora para aventuras diversas e envolvimentos emotivos. Mas o que mais a mistificava era o facto de ser dali que, em noites de invernia, descendo sobre o casario em eco sublime e diáfano, o sibilar do vento norte cantasse maviosas e deslumbrantes melodias com as quais, muito enroladinhos nos cobertores, adormecíamos.

Ladeira da Assoma, um mito, outrora personificado e hoje perdido, de alegria, enlevo, nostalgia e saudade.

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publicado por picodavigia2 às 11:16





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