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A MORTE DA VELHINHA

Domingo, 09.08.15

aConta-se que antigamente, numa casa muito isolada lá para os lados do Areal, muito próximo do mar, vivia, sozinha, uma pobre velhinha. Nunca se casara, nem tivera filhos e não se lhe conheciam parentes. Apesar de muito pobre, era muito honesta e bondosa, sempre disposta a fazer o bem e a ajudar os outros.

Certa noite um grande temporal desabou sobre todo o povoado, do Cimo da Assomada ao Outeiro da Ponta, assustando e amedrontando todos os que dormiam nos seus pobres e frágeis casebres, feitos de pedras soltas e cobertos de palha. O vento era fortíssimo, a chuva caía a cântaros, o mar rugia assustadoramente, os trovões ribombavam devastadoramente e os relâmpagos eram tão fortes que rompiam a escuridão, iluminando o pequeno povoado como se fosse dia.

Na sua casa, a mais pobre e isolada do lugarejo, a pobre velhinha, tolhida de medo, não pregara olho até altas horas da madrugada. De repente bateram à porta, três pancadas muito fortes. Muito aflita e assustada, a velhinha deu um salto na cama e levantou-se. Mas, de seguida, aquietou-se e voltou a deitar-se. Pouco depois voltaram a bater à porta. Três pancadas. A velhinha benzeu-se: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. De seguida, cuidando que fosse alguém acossado pelo temporal, a necessitar de ajuda, a pedir abrigo, levantou-se e foi abrir a porta. Daria abrigo na sua casa a quem quer que fosse e que andasse ao relento àquela hora da noite, debaixo daquele temporal. Talvez algum pescador… Talvez algum náufrago,… Alguém que se tivesse perdido.

Mas nada disso. Era um homem ainda novo, de aspeto resplandecente como um anjo, com uma saca de serapilheira a fazer de capucho, todo encharcado dos pés à cabeça. Vinha pedir-lhe para ir com ele e ajudá-lo a acudir à sua mulher que estava a parir um filho. A criança entalara e não havia maneira de nascer. A pobrezinha já estava assim há muitas horas e ele não sabia que fazer, nem tinha ninguém mais perto a quem pudesse pedir ajuda. Só ela o podia ajudar e evitar que a mulher e o filho morressem.

A velhinha ao princípio hesitou. Como poderia ir debaixo daquele temporal! O tempo estava horrível, a chuva caía a cântaros e o vento soprava tão forte que havia de a derrubar. A sua avançada idade não permitia que saísse àquela hora de casa, debaixo daquela tempestade. Decerto que morreria pelo caminho. Tinha tanto medo!

Mas como o homem insistisse e, com os olhos rasados de lágrimas, lhe pedisse que, por amor de Deus, o acompanhasse, que fosse com ele, a velhinha comoveu-se e, colocando um grosso xaile sobre os ombros e um lenço de merino na cabeça, decidiu acompanhá-lo.

Partiram. Os trovões pareciam agora mais fortes, os relâmpagos mais intensos e o vento ciclónico. A chuva caía como Deus a dava e os caminhos pareciam rios cheios de água. Mal saiu de casa a velhinha ficou toda molhada e uma rajada de vento mais forte atirou-a ao chão. Levantou-se e continuou, a muito custo, a caminhada. Pouco depois voltou a cair e desejou voltar para casa. Mas o homem suplicava, chorava e pedia-lhe que não desistisse de o ajudar a salvar a sua mulher e o seu filho. Na sua enorme agonia, prometia que ela seria a mulher mais rica do mundo se lhe salvasse a mulher e o filho.

Depois de uma longa caminhada por caminhos e veredas desconhecidos, chegaram junto da Rocha, enorme, altiva e abrupta. Mas era muito escuro e a velhinha não via nada. Apenas ouviu o homem bater como se estivesse a bater a uma porta.

De repente a velhinha viu a Rocha abrir-se e lá dentro um palácio todo iluminado como aqueles das estórias das Mil e Uma Noites que ouvira contar quando era criança. Sempre acompanhada pelo homem entrou no majestoso palácio. Parecia-lhe que estava no Céu. Um luxo como ela nunca pudera imaginar.

No meio do seu deslumbramento viu uma linda mulher que estava a parir com grande dor e sofrimento um filhinho. A velhinha arregaçou as mangas, foi encher uma bacia com água, pegou numa toalha e foi ajudar a mulher. Pouco depois nasceu um lindo menino. Mãe e filho haviam sobrevivido e estavam de excelente saúde. Choraram todos de alegria e contentamento. Ao longe ouvia-se uma música suave e bela. Era como se fossem os anjos a cantar. O pai, agora muito feliz e agradecido, levou a velha a uma sala onde se amontoavam pedras preciosas, ouro, pratas e joias. Perante o seu pasmo, o homem disse-lhe que pegasse e levasse as moedas e as jóias que quisesse mas que nunca dissesse quem lhe dera tão grande tesouro e como arranjara tanta riqueza. A velhinha, porém, em nada pegou e, como a tempestade já amainasse e um novo dia tivesse começado com um Sol radioso, decidiu voltar para sua pobre casa. O homem opôs-se e tanto lhe pediu e tanto insistiu que a velhinha ficou a viver com eles, para sempre, naquele rico e belo palácio, a ver crescer o menino que ela salvara.

No dia seguinte, umas mulheres que iam trabalhar os campos e que passavam em frente à casa da velhinha, vendo a porta e as janelas fechadas estranharam. Ela levantava-se, todos os dias muito cedo e abria sempre as janelas ao raiar da aurora. Bateram e voltaram a bater à porta mas, de dentro, ninguém respondeu. Assustadas, abriram a porta e entraram. A velhinha estava morta na sua cama. Morta de susto com o terrível temporal daquela noite.

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publicado por picodavigia2 às 00:05





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