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A MORTE DUM SERVO DE DEUS

Quarta-feira, 29.01.14

Bonaboião e Iluminata partiram para Santiago de Compostela, mas em peregrinações separadas. No entanto, durante a viagem acabaram por encontrar-se, unificando as peregrinações. Durante a viagem, Iluminata aproximava-se, sempre que lhe era possível, cada vez mais de Banaboião, enquanto este lhe ia contando como decidira iniciar a vida de asceta, depois do encontro, em Lubisonda, com o seu ilustre esposo, D. Paio de Farroncóbias, que o pretendera integrar na sua mesnada.

 D. Paio de Farroncóbias chegara a Valdevez, na altura em que a comitiva de Iluminata, integrando Bonaboião, se aproximava de Compostela. E no preciso momento em que D. Paio de Farroncóbias, cumprindo os anseios do seu amo e senhor, D. Afonso Henriques, enfiava, em Valdevez, a primeira lança num leonês, deitando-o por terra, a mão de Iluminata que havia acampado em Legonhes por uma noite, pairava sobre o corpo de Banaboião, pese embora este a afastasse delicadamente, evitando tocar, mesmo ao de leve, o corpo da sua benemérita e protectora, a virtuosa esposa do nobre D. Paio de Farroncóbias, diante de quem dois anos antes se havia ajoelhado.

- Socorro! Socorro! – Ouviu-se simultaneamente gritar em Valdevez e Legonhes. Eram, no entanto, gritos diferentes. O primeiro, um grito de estertor, o segundo de vingança. É que sentindo que Banaboião não correspondia aos seus lascivos desejos, Iluminata, aos gritos, começou a acusá-lo de ele a ter assediado, ofendendo assim a honra do nobre fronteiro que naquela hora lutava, bravamente, pela independência de Portugal, em Valdevez, ao lado de D. Afonso Henriques.

Os dois eremitas foram presos e Iluminata seguiu viagem...

Terminada a peleja em Valdevez, D. Paio de Farroncóbias dirigiu-se, a mando de D. Afonso Henriques, para o sul. A moirama começava de novo a ameaçar. Restabelecidos da trágica derrota de Ourique, os sarracenos infiéis reorganizavam-se, agora, formando novos reinos taifas surgindo, por todo o sul uma vaga de rebeliões e revoltas contra as praças e fortificações já conquistadas por D. Afonso Henriques. D. Paio de Farroncóbias foi incumbido de, no regresso de Valdevez, sair para o sul, até Coimbra e Leiria, a fim de se aperceber da situação e por termo aos focos de revolta que por aí se verificavam, cada vez em maior número. Tal decisão adiou bastante o regresso a Trancoso, pelo que Iluminata depois de voltar de Compostela permaneceu, meses sem conta, à espera do esposo amado, que tardava em regressar.

Como demorasse a peleja por terras de Leiria e arredores e, como não fosse fácil dominar a moirama que apostava cada vez mais em investir contra as terras já cristãs e conquistadas por D. Afonso Henriques, D. Paio de Farroncóbias foi forçado a ficar por ali comandando a peleja. Preocupado, porém, com os destinos não só da cidade de que era alcaide, Trancoso, mas sobretudo com o abandono a que votava a Iluminata, mandou a Trancoso uma companhia de besteiros, chefiada pelo seu homem de confiança, o lugar-tenente Gemildo, inteirar-se da vida do castelo e da cidade e levar notícias suas à sua bem-amada Iluminata.

De passagem pela Penha-Fria, onde Banaboião vivia desde há muito, na companhia dos servos de Deus Beltrasanas e Guindibaldo, Gemildo e os seus homens depararam-se com um funeral de grande acompanhamento e choradeira, no qual se havia integrado muita gente da fidalguia. Logo se informaram e lhes foi dito que era o enterro do muito venerável e justo servo de Deus, Joahannes Beltrasanas, que morrera na maior das virtudes e da santidade e que se já em vida fizera muitos milagres, agora depois de morto eles aconteciam em maior número.

Gemildo decidiu acompanhar com os seus homens tão ilustre finado, porque esse decerto seria o desejo de seu ilustre e nobre amo, o alcaide de Trancoso. Além disso cuidava que sendo o finado tão santo e tão milagroso, decerto que se lhe rogasse ele havia de curar um dos seus homens, que ferido em combate, seguia, na sua comitiva, em muito más condições. Logo desfraldou balsões e foi então que todos, ao identificarem as armas e símbolos de D. Paio de Farroncóbias, reconheceram ainda mais o mérito e santidade de Beltrasanas, que em sua morte era acompanhado por tantos nobres e ilustres, entre os quais os besteiros do ilustre e nobre fronteiro de D. Afonso Henriques.

Banaboião, já acompanhado pelo novo companheiro de eremitério, Gundibaldo, ao ver o balsão com as armas de D. Paio de Farroncóbias, - cinco estrelas de ouro de cinco pontas cada uma, postas em aspa, à volta de três castelos, por timbre um gato preto assanhado com uma estrela vermelha na espádua, armado de azul – interrogou um dos besteiros, perguntando-lhe se D. Paio de Farroncóbias ou sua ilustre esposa, a virtuosa Iluminata estariam por ali, sendo-lhe dito, de imediato, que o alcaide se encontrava em Leiria e a senhora de Cangas e Freixomil permanecia em Trancoso, aguardando, em seu castelo ansiosamente novas do esposo amado de que eles próprios eram mensageiros.

Terminada a cerimónia fúnebre e depositado o cadáver num buraco da rocha, ajustou-se a tampa e o santo começou logo a operar milagres. O besteiro de D. Paio que trazia uma enorme e ruim ferida num sovaco, recebida em combate, foi conduzido por Banaboião junto da rocha e, tocando com ambas as mãos no sepulcro do santo de Deus, ficou logo curado, para espanto dos seus companheiros de armas. Gemildo e os besteiros de D. Paio retiraram-se felizes seguindo para Trancoso.

 

Fonte de Inspiração – Aquilino Ribeiro São Bonaboião Anacoreta e Mártir.

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publicado por picodavigia2 às 09:28





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