PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A PÁSCOA
Na Fajã Grande e creio também que nas restantes freguesias das Flores, as grandes festividades religiosas anuais, com excepção do Pentecostes, vulgarmente conhecido por “Festa do Espírito Santo”, não eram celebradas com a grandiosidade e com a imponência que o eram na maioria de outras regiões do país, nomeadamente no Continente.
A Páscoa, assim como o Natal, celebravam-se com um misto de penúria, simplicidade e normalidade. A magnificência e a sumptuosidade guardavam-se para as festas locais.
Assim o dia de Páscoa não se diferenciava muitos dos restantes domingos do ano. A única tradição era a do folar, cozido na véspera. Tinha a forma de um pão de milho mas era feito de massa “sovada”, também chamada de “pão doce”, igual à que era cozida quer pelo Espírito Santo, quer pela festa de Santo Amaro, neste caso sob a forma de ofertas diversas e diversificadas. O que caracterizava o folar da Páscoa, no entanto, era que na parte mais alta e interior do mesmo fosse colocado, em vez dum ovo, um toro de linguiça, que lhe dava um sabor característico, aliando a doçura do açúcar ao salgado e à gordura dos temperos da carne de porco. A tradição medieval na Quaresma interditava ao povo de comer carne. O folar da Páscoa com o pedacinho da linguiça era como que um símbolo festivo do final da abstinência quaresmal.
Todos se “pelavam” por uma fatiazinha do folar retirada da sua parte superior, mesmo ali ao redor do pedacinho da linguiça. Normalmente era cozido um folar para cada um dos membros da família, sendo maior ou menor, consoante a idade e tamanho daquele a que se destinava.
Quanto à parte religiosa, numa altura em que a religião marcava acentuadamente a vida e os costumes, apenas a missa, em que, segundo se dizia, a cada palavra se seguia um “alleluia”. Na realidade as orações litúrgicas do dia começavam com um intróito em que o celebrante dizia “ Ressurrexit non est in nobis, alleluia, alleluia.” e terminava com “Ite missa est, alleluia, alleluia” ao que o povo, com um misto de jocosidade e alegra, fora da igreja, respondia em vernáculo: “Folar para a rua, alleluia, alleluia.”