PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A POÇA DAS CATEQUISTAS
A Retorta era a maior, a mais profunda e a mais retorcida enseada de quantas existiam no baixio da Fajã Grande, desde o Pesqueiro de Terra até ao Canto do Areal. Entrincheirada entre rebordos negros e altíssimos mas sarapintados de algas multicolores, escavada entre o restolho da lava basáltica, desenhada pela natureza e cinzelada pelo marulhar secular das ondas, a Retorta quase se assemelhava a um autêntico fiorde escandinavo embora minúsculo e tingido de negro. Uma pequena maravilha da natureza, muito fértil em peixes, moluscos e cavacos.
Entrando pelo baixio dentro, como se quisesse romper ou perfurar a ilha, de forma arqueada, com curvas e contracurvas, na sua parte final, a Retorta, já no seu termo, formava um ângulo de cento e oitenta graus e voltava o seu curso na direção do mar. Era ali que alargando-se substancialmente formava uma espécie de poça oval, uma autêntica piscina natural. Era essa a chamada Poça da Retorta.
Mas o mais interessante é que em ocasiões de maré seca a poça como que ficava separada do corpo da Retorta e, consequentemente, por isso, se chamava de poça, ou seja, segundo o Dicionário Online de Português uma cova ou cavidade, relativamente rasa, encontrada em qualquer terreno, com água em seu interior. No entanto e pelo contrário, com o subir da maré, a água ia entrando na poça até a encher e a unir, assim a corpo da Retorta como se facto fosse uma parte dela.
É verdade que o seu fundo era bastante irregular, atapetado por alguns pedregulhos ásperos e pontiagudos, muitos deles repletos de ouriços e com moreias e moriões a habitar os seus escombros, mas como ficava bastante escondida e rodeada por altas rochas era o local ideal para uma boa banhoca por parte de quem não se quisesse expor aos olhos dos curiosos e muito menos aos seus comentários.
Essa a razão por que o reverendo pároco da freguesia, numa altura em que muitos direitos ainda eram vedados às mulheres e em que os preconceitos relativamente ao sexo feminino abundavam discriminatoriamente, decidiu senão por decreto, pelo menos por mero conselho espiritual ou mandato casuístico que as meninas e senhoras de bem da freguesia, impedidas de se banharem no Cais ou no Porto Velho, locais habitualmente frequentados por rapazes e homens, fossem tomar banho para aquela Poça, situada paredes meias com a Ponta da Coalheira, o pedacinho de terra mais ocidental da Europa.
E, submissas ao mandato canónico, muitas iam, sobretudo as mais púdicas, mais dóceis e mais obedientes às Leis de Deus ou do Seu digno represente na Terra.
Por essa razão a Poça da Retorta passou a chamar-se a Poça das Catequistas. Não sabiam elas, ou pelo menos se o sabiam, algumas não se incomodavam nada com isso, é que muitos rapazes aproveitavam o despautério do prebendado e, sempre que lhes cheirava a corrupio de mulheres para os lados do Areal, rumavam para a Retorta. Escondidos entre os rochedos escuros e escarpados não perdiam a oportunidade de, na sua qualidade de ávidos e tresloucados mirones, espreitarem uma nesga que fosse da perna de uma ou outra menina que, eventualmente, tivesse a ousadia de substituir o saiote com que as mulheres na altura se banhavam por um fato de banho um pouco mais ousado.