PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A REVOLTA DOS INHAMES
O inhame chegou aos Açores no século XVII, protagonizando, algum tempo depois, uma das maiores e mais importantes revoltas internas açorianas, com o epicentro na ilha de São Jorge, onde cultivado junto de fontes e rochas, locais pouco propícios a outras culturas, passou, rapidamente, a ter um papel importantíssimo na alimentação e na economia jorgense. O mesmo aconteceu nas outras ilhas e, assim, a produção do inhame nos Açores despertou, de imediato, o interesse dos cobradores de impostos. Mas o povo não aceitou de bom grado o ter que pagar impostos sobre o cultivo dos inhames, com a agravante de os impostos serem, obrigatoriamente, cobrados na terra do cultivador, que assim ficava obrigado a transportá-los, sobretudo no caso de São Jorge, por veredas e rochas íngremes e inacessíveis, até ao local destinado à cobrança do imposto e a entrega aos cobradores.
Descontente, o povo, o povo daquela ilha, com apoio de algumas autoridades locais, manifestou-se revoltosamente, ficando esta rebelião conhecida pela “Revolta dos Inhames”. A sublevação, que teve lugar no largo da igreja do Norte Pequeno, e que está gravada com duas folhas de inhame no brasão da vila da Calheta, no entanto, nada trouxe de benéfico para o povo que acabou por ter que acatar, à força e contra a sua vontade, a imposição dos cobradores de impostos.
Portugal, no século XVII vivia os dissabores da guerra da Restauração, cujas despesas eram enormes e não podiam ser somente cobertas com a simples arrecadação dos impostos, até então, existentes, essencialmente centrados nos produtos de maior valor comercial, como os cereais e as carnes. Face ao aperto das finanças reais, foi preciso reforçar os mecanismos de geração de receita fiscal e taxar novas produções, alargando assim a base tributária. Estas medidas também chegaram à parcela mais ocidental do país. O inhame florescente e fortemente cultivado nos Açores e com grande peso económico das ilhas – São Jorge era o protótipo – manifestava-se como uma fonte de receita, aparentemente, proveitosa para o reino
Assim e com o nome de “dízimo das miunças e ervagens” foi criado um novo imposto sobre todas as produções de hortícolas, erva para os gados (incluindo neste caso o próprio gado) e outras pequenas produções agrícolas (daí a designação de miunças). Este dízimo, perdurou nos Açores até à implantação do regime liberal e a sua cobrança gerou profundo repúdio, tanto mais que os cobradores eram, em geral, capitalistas lisboetas que enviavam agentes às ilhas, os quais extorquiam, sem dó nem piedade, o que era devido e o mais que podiam, aos pobres habitantes das ilhas. A este descontentamento, somava-se o desfazer dos sonhos de uma vida melhor, prometida pela Restauração e, além disso, os antigos capitães-do-donatário de outrora haviam possuído, nas ilhas, grandes latifúndios, que agora estavam nas mãos da alta aristocracia de Lisboa, e reduziam a maioria dos lavradores açorianos à mísera condição de foreiros, sujeitos a pesadas rendas e impostos. Nalgumas freguesias de São Jorge, os poucos terrenos disponíveis para os seus naturais cultivarem eram apenas as rochas e as fajãs onde floresciam os inhames.
Tudo isto fez com que o descontentamento da população aumentasse e se criassem condições propícias para eclodirem vários movimentos de contestação.
A Revolta dos Inhames despoletou em 1694, quando foi solicitado o pagamento coercivo da dízimo, com a agravante de que deveriam ser os agricultores a proceder ao transporte dos inhames desde os campos até ao local de recolha. O descontentamento foi geral, sobretudo em São Jorge. Carregar às costas inhames, desde as Fajãs até ao povoado, ou arriscar a vida a transportar inhames ao longo de falésias, por carreiros mais adequados a cabras do que a pessoas, para depois os entregar como dízimo parecia desumano. Tanto mais que o dízimo do trigo era cobrado na eira, o do milho era cobrado ao portal da terra e o do vinho à bica do lagar. Pretendiam os revoltosos, sobretudo, que se cobrasse o imposto no local de cultivo e não tivessem que subir as encostas íngremes e abruptas com os inhames às costas, destinados aos cobradores. Para São Jorge foram enviados militares da Terceira sendo muitos habitantes da ilha sujeitos a interrogatórios, havendo também muitas prisões. Foi levado a cabo um rigoroso inquérito aos incidentes ocorridos, o qual culpabilizou os amotinados e ainda as autoridades da Calheta que os tinham apoiado e defendido. Igualmente foram julgados culpados os juízes e vereadores da Câmara da Calheta, que no entanto fugiram, escapulindo à prisão. No entanto, procedeu-se ao arresto dos seus bens e haveres, a fim de pagar os dízimos em atraso e os juros que eram acrescidas, as soldadas e demais despesas do corregedor, dos soldados, dos juízes, incluindo as viagens e a alimentação.
Muitos dos culpados ficaram, definitivamente, arruinados, tendo de vender tudo o que possuíam para pagar as quantias em que foram condenados. Outros foram conduzidos sob prisão ao Castelo de São João Baptista, à cadeia de Angra e ainda à cadeia da Horta. Sabe-se que muitos por lá morreram de doença, fome e desgosto. É verdade que a revolta dos inhames foi um ponto alto na vida comunitária da população de São Jorge e de união e luta das suas gentes, em prol dos seus interesses, mas muitos dos seus habitantes foram injustiçados e a ilha ficou mais pobre, porquanto muitos moradores arruinados pelas quantias a pagar mergulharam numa enorme miséria, que os forçou a sair da ilha e a emigrar para o Brasil e, mais tarde, para a América.
Curiosamente noutras ilhas tudo foi mais calmo, como no caso do Corvo e Flores, em que os habitantes, ardilosamente, construíram grutas e aproveitaram outras naturais, para esconder os inhames e fugir, assim, aos malditos impostos e à sádica ganância dos cobradores.