PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A SENHORA DO PRANTO
Conta-se que por volta do ano de mil quinhentos e vinte, um rapazinho andava a guardar as vacas no sítio da Lazeira, na freguesia de S. Pedro do Nordestinho, na ilha de S- Miguel, nuns terrenos muitos próximos do mar.
De repente, o pastorzinho teve uma visão deslumbrante - Nossa Senhora estava ali, à sua frente, vestida de branco, entre fina cortina de névoa, pairando dois ou três palmos acima do chão. Logo a criança ajoelhou e começou a rezar à Virgem, Mãe Deus, a oração que a sua mãe lhe ensinara:
- Avé Maria, Mãe de Deus, rogai por nós…
Ainda não terminara quando ouviu a voz da linda Senhora que lhe dizia:
- Vai à Vila e convida todos os que encontrares a virem amanhã a este local, onde se reunirão sete cruzes. Se no caminho te aparecer uma bicha de boca aberta, não temas, pois é o símbolo da peste que acometerá Ponta Delgada e se espalhará por toda a ilha. Nesse dia, quando aqui estiver muita gente e rebentar uma trovoada, cavem a terra e espalhem-na por cima das pessoas e não tenham medo. Quero também que neste local levantem uma ermida a Nossa Senhora do Pranto e, se tudo isto fizerem, não terão nem a peste nem os tremores de terra, pois eu intercederei por vós junto do meu Filho.
De imediato, desfez-se a visão e o pastor correu para a Vila do Nordeste a anunciar o que lhe tinha acontecido.
Reza a lenda que as pessoas acreditaram no rapaz e, no dia seguinte, sete cruzes ou romarias, vindas do Nordestinho, Nordeste, Maia, Fenais, Povoação, Achadinha e Achada Grande, ali se juntaram. A Senhora cumpriu as suas promessas e os populares começaram a construir a ermida.
Para ser mais fácil o acesso, decidiram construi-la à beira do caminho e no local juntaram pedra e outros materiais. Mas, para pasmo de todos, certa manhã tudo o que haviam trazido para beira do cainho desaparecera dali e fora colocado no pasto onde Nossa Senhora tinha aparecido ao pastor, não longe do mar. Os operários trouxeram tudo, de novo, para a beira do caminho mas no dia seguinte já estava todo o material no lugar indicado por Nossa Senhora.
Uma dessas noites, as pessoas, desconfiadas, vieram vigiar e viram que Nossa Senhora com uma caninha levava a pedra e o restante material a rolar para baixo.
Não tiveram mais dúvidas: A Senhora do Pranto queria a sua ermida junto ao mar, longe das casas, para que as promessas das pessoas exigissem sacrifício e assim tivessem mais valor. Ali se começou a construir as paredes da pequena ermida.
Mas o trabalho era demorado porque não havia água doce por perto. Uma velhinha fraca, mas crente, prometeu acarretar a água do povoado. Assim o fez, até ao dia em que sentiu que as forças a abandonavam. Ajoelhando perto das paredes da ermida, pediu à Senhora vida para ver a obra terminada.
Perante o pasmo dos mestres, brotou da parede da ermida, próximo do chão, água em abundância e dali jorrou até findar a construção. Mais tarde a água deixou de correr naquele lugar e foi brotar na rocha. Lá está a correr mansamente, agora resguardada por uma gruta construída por camponeses. A umas centenas de metros, no pocinho de onde a ermitoa acartava a água, numa das pedras, vê-se a marca do pé pequenino de Nossa Senhora, que ali pousou ao ir matar a sede.
A santa velhinha ainda viveu durante anos como ermitoa, guardando o templo em cujo chão se enterrou. Muitas pessoas dizem que já ouviram cantar os anjos docemente na ermida.
Fonte - FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias