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AO ROMPER DA BELA AURORA

Quarta-feira, 15.01.14

Na década de cinquenta, na Fajã Grande, dava-se, inequivocamente, cumprimento ao estabelecido no velho adágio “Deitar cedo e cedo erguer…”, ou então cirandava-se, isto é, caminhava-se e trabalhava-se, de acordo com a popular modinha beirã “Ao romper da bela aurora, vai o pastorzinho…”

Na realidade, naqueles longínquos anos, todos os dias, incluindo, domingos, dias santos, feriados e dias santos abolidos, o dia de trabalho iniciava-se altas horas da madrugada. No Inverno, saía-se de casa com destino aos campos, ainda noite escura. Havia tarefas que eram absolutamente necessárias serem feitas alta madrugada. A mais cansativa, para quem tinha gado vacum, era a de ir ceifar um ou dois molhos de erva às lagoas – terrenos onde a erva crescia no meio de água – acarretando-a, de seguida, às costas, para os palheiros, onde o gado a aguardava como alimento preferido. A erva, para manter a qualidade e a frescura de bom alimento herbívoro, devia ser ceifada e guardada antes do Sol nascer. Era uma tarefa cansativa e desgastante, não apenas no ceifar mas sobretudo no carregar com os molhos às costas. Para além de serem muito pesados, pingavam enorme quantidade de água que escorria pelos ombros e costas dos que os carregavam, encharcando-os, por vezes, da cabeça aos pés. Outra tarefa, embora mais leve e menos cansativa e, por isso mesmo, atribuída, geralmente, às mulheres e às crianças era a de ir buscar ou levar o gado às relvas, o que também convinha que fosse feito pela matina. O gado devia o calor do dia ou o frio da noite e ser ordenhado a tempo de o leite ser entregue nas máquinas, que abriam bastante cedo. Assim, para além destas, uma outra tarefa que se impunha era a da ordenha e do transporte do leite para os sítios onde era desnatado. Só depois, por vezes já bastante tarde, as mulheres faziam o café, misturando alguns grãos do dito cujo com chicória, cevada e, por vezes até favas ou milho torrado, tudo devidamente moído, em água a ferver. Despejado em grandes tigelas misturava-se um pouco de leite e nada mais. O almoço, como então se chamava a primeira refeição do dia, para além do café bem quentinho, aromático e fumegante, incluía pão de milho ou bolo, geralmente acompanhado com queijo caseiro ou doce. O pão de trigo era apanágio dos dias de festa e, quando o de milho escasseava, recorria-se a bolo do tijolo ou a papas fritas, quando estas sobravam da véspera. Por vezes quer o pão de milho ou o bolo eram mais envelhecidos e rijos ou já roçavam o gosto azedo do bolor, fritavam-se em banha de porco, sendo que, muitas vezes, as fatias, antes de fritas, eram passadas por ovo batido. Nesses dias considerava-se o almoço um luxo. Só então se partia para os campos para as tarefas da manhã.

“Ao romper da bela aurora,

Sai o pastor da choupana.

Vem gritando em altas vozes:

- Muito padece quem ama

 

Muito padece quem ama,

Mais padece quem namora.

Sai o pastor da choupana,

Ao romper da bela aurora

 

Não empobrece ninguém.

Assim como não enrica.

Não empobrece ninguém

Assim como não enrica.”

 

Se na bela e popular canção beirã, substituíssemos a palavra “ama” por “trabalha”, embora perdendo a rima e desajustando a métrica, ganharíamos um interessante e significativo hino ao árduo labor que, quer nas frescas madrugadas de Verão, quer nas tempestuosas e escuras manhãs de Inverno, homens, mulheres e crianças realizavam na Fajã Grande, na década de cinquenta, do século passado.

 

 

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publicado por picodavigia2 às 09:37





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