PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS ALVORADAS
Na Casa do Espírito Santo de Cima, na semana que, na Fajã Grande, antecedia a festa do Espírito Santo, agendada para o Domingo de Pentecostes, havia alvoradas na terça, na quinta e no sábado, pese embora a casa, que mais se assemelhava a uma pequena ermida, abrisse durante toda a semana, à noite. O mesmo acontecia, em data posterior, na Casa de Baixo
Na verdade, durante a semana que precedia quer uma quer outra das festas, à noite, o povo juntava-se naqueles enormes salões, mesmo em dias que não se cantassem as alvoradas, convivendo através da realização de jogos, bailes e, no sábado, com distribuição de fatias de pão adubado, vinho abafado e licores por todos os presentes.
As Alvoradas eram uma forma de louvar o Divino, através do canto e da folia efetuados por um grupo de homens, chamados “foliões”, na Casa de Cima, comandados pelo Teodósio. Eram anunciadas com um foguete.Munidos de um tambor e dos testos, iniciavam a cantoria fora da porta da Casa. Logo se fazia um silêncio no interior, parando todos os jogos e brincadeiras. Ao ritmo do tambor iniciavam em coro: “Ai Alvorada, Ai Alvorada Santa. Ai, Aqui hoje pelo canto, o Senhor seja louvado. Ai o Senhor Espírito Santo”. E pouco mais acrescentavam do que isso, embora o repetissem várias vezes estas e outras semelhantes invocações. No entanto estes cânticos variavam da terça para a quinta e desta para o sábado, isto é, havia uma alvorada específica para cada dia da semana. Terminadas estas preces ao ar livre, com o povo sempre em silêncio, os foliões entravam na Casa e formavam um círculo em frente ao altar, onde estava a corroa com o cetro, ladeada de flores e velas a arder. Ao lado as bandeiras vermelhas símbolos da carne e a branca, símbolo do pão. Os foliões, começavam a circular no sentido contrário ao dos ponteiros de um relógio e, ao toque do tambor e dos textos, entoavam cânticos apropriadas. Cada folião ao passar em frente da coroa circulava ao contrário dos outros e do seu próprio circular, uma vez que se voltava ao contrário a fim de não ficar de costas para os símbolos do Paráclito que se encontravam sobre o altar. Por fim, parados em frente ao altar e voltados para o mesmo, com o povo todo de pé, cantavam as sete Avé Marias, findas as quais se seguia o oferecimento das mesmas: “Ó estas sete Avé Marias, Ó Senhor, que hoje aqui vos canto, Ó, sejam em vosso louvor, Que ofereço ao Senhor Espirito Santo,” Pedia-se ainda pelas almas dos defuntos e por fim terminavam, cantando da seguinte forma: “Ó Senhor Espírito Santo, Vós que estais no vosso altar, Dai saúde e vida a todos Para vos servirem e louvar.”
Pela sua simplicidade e originalidade se depreende a origem ancestral destes cânticos, uma vez que as festas do Espírito Santo e os costumes com elas, relacionados foram implantadas em Portugal pela Rainha Santa Isabel e trazidas para os Açores pelos primeiros povoadores oriundos do continente português. No continente a sua força esmoreceu, nos Açores, por força do isolamento das ilhas, a festa do Espírito Santo não apenas se manteve como se foi consolidando, de tal forma que hoje estende-se a todas as ilhas, apesar de se manifestar de formas diferentes em cada uma delas. Talvez nas Flores e no Corvo, porque mais separadas das restantes ilhas, estas diferenças sejam mais amplas e as tradições mais originais. Um dos muitos cânticos cantado pelos foliões era o “À Porta das Almas Santas” e que ainda hoje é cantado em muitas regiões do continente por altura da Quaresma. Trata-se duma das mais antigas e arreigadas tradições da religião popular. Nas noites da Quaresma, em cada aldeia reúne-se um grupo de homens vão de porta em porta, iluminando o caminho com lanternas, entoando o cântico, tradição que parece remontar à Idade Média e que é muito semelhante às Alvoradas do Espírito Santo: “À porta das Almas Santas, Bate Deus a toda a hora. Almas Santas lhe perguntam: O que quereis, meu Deus, agora? Quero que venhas comigo, Para o Reino da Glória. Assim como estes, O Lavrador da Arada, A Barca Bela e muitos outros, talvez todos, terão sido levados de terras continentais para as ilhas.
Acrescente-se que na Ponta, Cuada e Fajãzinha também se cantavam as Alvoradas muito semelhantes às da Fajã Grande. Na Fajãzinha, no entanto, as Avé Maria e alguns cânticos eram bem mais lentos. Dizia-se que era devido ao maior bojo dos tambores. Na verdade os tambores da Fajãzinha eram bem maiores, em volume, do que os da Fajã, pelo que, consequentemente, tinham um som bem mais cavernoso e lento.