PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS ARSAS DAS CORDAS
Na Fajã Grande acarretavam-se dos campos para casa todos os tipos de produtos. Por um lado carregavam-se os produtos destinados à alimentação dos bovinos, como incensos, erva, rama de batata-doce, erva-santa, rama seca, couves e muitos outros e ainda os que lhes haviam de servir de cama, como fetos, cana roca, bracéu, junco, etc. Era também necessário acarretar muitos outros produtos necessários ao governo de casa, com destaque para a lenha. A maioria destes produtos quase sempre eram transportados às costas em molhos, pelo que tinham que ser bem amarrados, para o que geralmente eram utilizadas cordas de tamanhos, feitios e qualidade diferentes. Mas o que todas as cordas tinham em comum eram as arsas, ou seja, pequenos objetos, geralmente de madeira que permitiam ligar com firmeza e segurança uma ponta da corda à outra, permitindo assim segurar muito bem amarrado o que se pretendia acarretar. As arsas serviam pois para substituir os nós, uma vez que estes, para além de exigiram uma operação bem mais demorada, obrigavam a um uso de cordas maiores e não permitiam um aperto ou arrocho tão firme e seguro como o das arsas.
As arsas, regra geral, eram feitas de maneira e muito simples de fabricar. Obtinha-se um pequeno retângulo de madeira da mais rija e resistente possível. Davam-se, com um trade, dois furos, simétricos, um em cada metade do pequeno retângulo e estava a arsa feita. Depois alisavam-se os bordos dos furos com um canivete, a fim de que, ao ser enfiado, a corda deslizasse mais facilmente. Num dos furos enfiava-se uma das extremidades da corda e entrançava-se a ponta de maneira a que a arsa, deste lado, ficasse sempre presa à corda. Estava a operação consumada.
As cordas eram enroladas, levadas ao ombro ou enfiadas num bordão. Ao recolher o produto que se pretendia acarretar, estendia-se a corda no chão, sobre a qual se iam colocando os produtos. No fim enfiava-se a ponta livre da corda no outro buraco da arsa e puxava-se até apertar ao máximo o molho. A ponta solta por sua vez era presa de forma segura na própria corda, de maneira a não se soltar.
Curiosamente também se faziam arsas de osso de baleia e, por vezes, até era a própria corda que, devidamente dobrada numa das pontas, formava a arsa,
As cordas e as respetivas arsas tinham uma importância tão grande na vida quotidiana dos fajãgrandenses que até se havia criado um ditado muito peculiar. Quando alguém tinha que resolver um problema de difícil solução ou quando se defrontava com uma situação da qual se sentia impotente ou incapaz de resolver, dizia-se: Estamos no mato sem cordas, o que, obviamente, queria significar: Estamos perdidos ou desgraçados.