PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS BOCAS DO MUNDO
(CONTO TRADICIONAL)
Era uma vez um velho que vivia com o seu neto e tinham um burro. Certo dia resolveu o velho ir a uma feira. Como não queria deixar o neto sozinho em casa, decidiu levá-lo consigo, juntamente com o burro. O burro seguia à frente o velho e o neto, caminhavam a pé, atrás do burro. Passaram por um lugar onde havia muitas pessoas. Estas, ao vê-los a caminhar a pé, atrás do burro, e este sem ninguém em cima, começaram logo a murmurar e criticá-los:
Que idiotas! Porque não vão montados no burro, seus patetas?
Então o velho pegou no menino e sentou-o em cima do burro, continuando ele a caminhar, atrás, a pé. Passaram num outro lugar onde também estavam muitas pessoas que voltaram a murmurar e a criticá-los:
- Olhem para o velho que não tem vergonha. Ele que é mais velho, vai a pé e o atrevido e preguiçoso do rapaz, todo pimpão, refastelado em cima do burro.
Então o velho trocou com o neto. Montou ele o jumento e o rapaz seguia atrás a pé. Passaram noutra aldeia e as pessoas de novo murmuram e criticaram o velho por ser um ingrato e sem consciência, montando, muito bem instalado, o burro e a pobre criança, desolada, a pé.
Então o velho, pegando no neto, sentou-o, juntamente consigo, em cima do burro. De novo passaram noutra aldeia e as pessoas de novo murmuraram e criticaram, dizendo que o velho não tinha consciência, nem pena do pobre do burro. Iam os dois ingratos montados em cima do desgraçado do burro.
Então o velho disse ao neto:
É para que saibas como são as bocas do mundo que nunca se conseguem calar. Quer vá a pé, quer em cima do burro, quer com ele às costas, sempre hão-de murmurar, criticar e, até, condenar.