PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS DEZ VERDADES
Conta-se que antigamente havia um rapaz que era pastor. Havia também um homem muito rico que tinha um grande rebanho de ovelhas. Levou-as para o Mato, para as bandas da Burrinha e da Água Branca e contratou o rapaz para ir tomar conta delas. Como as ovelhas eram muitas e a distância do povoado grande, as ovelhas não podiam ir e vir todos os dias de casa para os pastos e destes para casa, pelo que o rapaz tinha que ficar durante o dia e durante a noite nos descampados do Mato. Mas tinha que se alimentar e era o patrão que lhe ir levar comida todos os dias, mas apenas uma vez por dia.
O patrão subia a rocha e deixava a comida numa pequena furna que ali existia. Como haviam combinado, mais ou menos à mesma hora ou um pouco depois, o rapaz vinha buscar a comida mas geralmente não via o patão que, nessa altura, já havia regressado a casa. Pelo contrário, cada vez que o pastor vinha buscar a comida, aparecia-lhe um homem. O homem fazia-se simpático, metia conversa com o rapaz e este repartia com ele a sua comida.
Certo, dia, o patrão que sabia que levava sempre a comida necessária para o rapaz se alimentar suficientemente, subiu a rocha um pouco mais tarde do que o costume e, quando chegou ao cimo, encontrou o rapaz que já ali estava à sua espera. Com grande espanto seu, pois sabia que lhe trazia a comida necessária para ele se alimentar suficiente e não passar fome, reparou que ele estava muito magro. Alguns dias depois voltou a encontra-lo e reparou que o rapaz estava ainda muito mais magro, parecia que definhava. Muito admirado o patrão preguntou-lhe:
- Trago-te tanta comida e tu estás cada vez mais magro? O que se passa contigo?
O pastor disse que todos os dias quando vinha buscar a comida que o patrão lhe levava, aparecia-lhe lá um homem que lhe pedia que repartisse a sua comida com ele. O patrão perguntou ao pastor:
- Tu não sabes rezar?
- Não, nunca aprendi.
- Então, olha quando fores comer, antes, faz uma cruz por cima da comida dizendo:- “Tão longe é daqui ali, como dali aqui”.
De seguida ensinou-lhe dez verdades, as quais ele nunca devia esquecer…
No dia seguinte, chegou a hora de comer e o homem apareceu outra vez. O rapaz que já tinha feito como o patrão lhe aconselhara, disse-lhe:
- Ande, venha comer.
- Se tu quisesses, que eu comesse não tinhas feito o que fizeste. Quem é que te ensinou a fazer isso?
- Foi o meu patrão.
- Então já sei que sabes muito. Mas de certeza que não sabes as dez verdades.
O rapaz enumerou tim-tim por tim-tim as dez verdades que o patrão um dia lhe ensinara:
- Alumia mais o sol que a lua.
- P’ra mãos se fazem as luvas.
- Do pau de pinho se faz o pez.
- Da pele do boi se faz o sapato.
- P’ra cintura se faz o cinto.
- Do bom vinho bebem os Reis.
- Do bom trigo se faz o biscoito.
- Nas relvas pastam as ovelhas.
- Rebenta Diabo, que não sei quem és.
O homem desapareceu e desde esse dia nunca mais procurou o rapaz para lhe pedir comida nem para outra coisa nenhuma.