PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS FESTAS DO ESPÍRITO SANTO EM MAU TEMPO NO CANAL DE VITORINO NEMÉSIO
Vitorino Nemésio, no seu romance “Mau Tempo no Canal”, no capítulo XVIII – “No Tempo da Frol” -, refere-se às festas do Espírito Santo nos Açores, mais concretamente, na ilha do Faial, onde descreve a função da irmã de Manuel Bana, na freguesia do Capelo:
«Em meados de Abril, Margarida andava ocupada com a perspectiva da «função» que a irmã de Manuel Bana ia dar no Capelo.
As festas do Espírito Santo enchem a primavera das ilhas de um movimento fantástico, como se homens e mulheres, imitando os campos, florissem. Da Páscoa ao Pentecostes e à Santíssima Trindade são sete ou oito semanas de ritos de uma espécie de florália cristã adaptados à vida da lavoura, dos pastos carregados de humidade e de trevo no meio das escórias de lava – o «Mistério». Em vão, os bispos de Angra, talvez lembrados do que deviam à sucessão de D. Fr. Jorge de Santiago e à sua douta luta pela pureza da fé e do culto nas sessões do Concílio de Trento, tentavam desterrar da religião insulana aquelas estranhas práticas: o Paráclito entre círios e olhos de raparigas ardentes, o Veni creator cantado ao rés do transepto cheio de vestidos leves. O próprio abuso dos «foliões» trajando a opa dos bobos e dançando a toque de caixa, em plena capela-mor, foi reprimido a custo. A alma do ilhéu é cândida e tenaz: quer um Deus vivo e alegre; chama-o à intimidade do seu pão e das suas ervas húmidas. Deus lhe perdoe…
O Espírito Santo aberto numa pomba de prata ao topo de uma coroa real, liga o Pai do Céu aos seus filhos das ilhas dos Açores como a própria ave que marcava nos portulanos de Maiorca e de Veneza aquelas paragens mortas: Insula Columbi… Insula Corvi Marini… Primaria sive Puellarum…
… Ou ilha das Meninas. Um bando delas, em filas que semeiam os caminhos de rosas e madressilva, Publicado em 27/05levam o “emblema do divino Espírito Santo” a casa do pobre e do rico. O “alferes da bandeira” desfralda o estandarte de uma realeza de sonho, império de pão dourado. Vêm os “vereadores” com varas de mordomos, o “pajem da coroa” investido na grandeza do reino, a criança ou o pobre de pedir coroados pelo sacerdote. Fecha o cortejo a fanfarra e o esturro bufado dos foguetes. – “Imparador do séisto domingo: Chico Bana!” – tum, tum.
Botas novas, rodadas de rosquilhas e aguardente no giro das bandejas de lata, um trono a arder de círios e rosas abertas no canto da casa térrea. “Vamos a antrar cá pâr’dentro! Toca a gastar, senhores!” – E assim os sete dias.»