PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS PROFECIAS DO BANDARRA
Em casa da minha avó Joaquina, na Fontinha, havia dois manuscritos muito interessantes. Ambos continham poemas, sob a forma de quadras, escritas em folhas de papel almaço. Um descrevia a fatídica morte do Rei D. Carlos e do príncipe herdeiro, versos decorados por muitas pessoas que os musicalizavam. Recordo-me de ouvir meu pai cantá-los. O outro continha parte das célebres profecias do Bandarra, Gonçalo Anes de Bandarra, um célebre sapateiro nascido na vila de Trancoso, em 1500, onde viveu e onde faleceu, em 1556. Bandarra é considerado como o mais célebre e interessante profeta português, autor de trovas messiânicas que ficaram posteriormente ligadas ao sebastianismo e ao milenarismo português.
Aqui se recorda alguns destes versos:
Sonhei, que estava sonhando,
Que passados cem Janeiros
Os Portugueses primeiros
Se levantarão em bando.
Ergue se a aguia Imperial
Com os seus filhos ao rabo,
E com as unhas no cabo
Faz o ninho em Portugal.
Põe um A pernas acima,
Tira lhe a risca do meio,
E por de traz lha arrima,
Saberás quem te nomeio.
Tudo tenho na moleira
O passado, e o futuro,
E quem for homem maduro
Há-de me dar fé inteira.
Vejo sem abrir os olhos
Tanto ao longe como ao perto;
Virá do mundo encoberto
Quem mate da aguia os polhos
Lá para as partes do Norte
Vejo como por peneira
Levantar uma poeira
Que nos ameaça a morte.
Vosso grande Capitão,
Ó povo errado, e perverso,
Já caminha com o terço,
E vós dormindo no chão?
Na era que eu nomear
Terá fim a heresia;
Verás certa a Profecia,
Se bem souberes contar.
Poe[m] três tesouras abertas,
No fim um linhol direito,
Depois conta seis vezes cinco,
E mais um vai satisfeito.
Muito rijo bate o vento
Na parede da igreja;
Alguém caido a deseja,
No levantar vai o tento.
Rugia a porta do sino,
O sino não badalava,
A grimpa se revirava,
E o sino andava a pino.
Meto a sovela nas viras,
E vejo pelo buraco
Os ossos de Pedro Jaco
No penedo das mentiras.
Que belamente soam
As Profecias direitas!
Depois que forem perfeitas
Verão que a terra povoam.
Quando o sonho é verdadeiro
Dá se uma lei muito clara:
Sonho agora, que uma vara
Vai dando luz a um outeiro.
O outeiro é Portugal,
E a vara Castelhana;
Da minha pobre choupana.
Vejo esta vara Real.
Dará fruto em tudo santo,
Ninguém ousará a nega-lo,
O choro será regalo
E será gostoso o pranto.
Bem cuido, que já vem perto
O fim destas Profecias;
Passarão trezentos dias
Depois de eu ser descoberto.
Em dous sitios me achareis
Por desdita, ou por ventura,
Os ossos na sepultura,
E a alma nestes papeis.
Não há pedra sobre pedra,
Quando eu aqui for achado,
E as letrinhas do Letrado
Há trezentos anos queda.