PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
ATALHOS E RETALHOS
Ontem foi dia de Páscoa. Decidi alterar o rumo da minha caminhada diária, pelas ruas circundantes da jovem urbe paredense. Optei pelo campo, atravessando os campos e vinhedos de Mouriz às fronteiras de Vila Cova de Carros. Contrariamente às previsões metereólogas, amanhã surgiu esplendorosa, iluminada por um sol, delirantemente, contagiante e enternecedor, convidativo e, generosamente, acolhedor.
Optei, nos espaços em que isso foi possível, caminhar por atalhos solitários, isolados, térreos e de piso irregular mas ladeados de campos verdejantes, de vinhedos promissores, regatos generosos e florestas assombradas. Dos campos pejados de forrageiras, erva, batatas, favas e cebolinho emanava um perfume adocicado, fresco e taumaturgo. Sabia a maré cheia de verdura e de encanto. Os vinhedos eram berçários florescentes dos cachos bebés, a definirem-se ainda em formas enigmáticas. Os regatos simulavam um murmúrio alegre, distinto e nobre, entrecortado apenas pelo canto cicioso dos pássaros e o esvoaçar atrevido das borboletas. Um açude calmo e prateado a silenciar o murmúrio sulcado pelas águas espumosas das quebradas.
Neste idílio primaveril, verde, sorridente, cativante, velhos solares, com portões brasonados, encimados por cruzes e botaréus, a ruírem e a desmoronarem-se, sozinhos, amordaçados, escuros e tímidos. Num abandono total e oblíquo, à espera do fim. Retalhos desfeitos de um passado enigmático
Sob a sombra ternurenta de uma árvore, enquanto ao longe ribombavam os foguetes do compasso, um homem, indiferente ao eminente desmoronar-se dos solares, lia o jornal.