PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
BATATA-DOCE
O Sol emerge benevolente e acariciador. Os seus raios cálidos e desenfreados hão-de proteger a safra. A batata-doce quer-se plantada no crescente e apanhada no vazante lunar e com um Sol quentinho e enternecedor, ao qual deve fica exposta, como que enternecendo-se, adocicando-se e, sobretudo, secando.
Hoje como ontem, a batata-doce tem a sua génese na rama do canteiro. Meu pai fazia-o, com requinte e excelência, junto de casa, a fim de que pudesse ir acompanhando o crescimento da rama que exigia, nos dias em que a chuva teimava em cair, uma rega abundante. Meu pai cavava no local escolhido da “terra da porta” um enorme e profundo fosso, geralmente de forma quadrangular e cujo fundo era bem forrado com milheiros, formando uma espécie de gradeamento ou rede para que a água da chuva ao cair sobre o canteiro, penetrando a terra, não enxurrasse mas antes escorresse a fim de que as batatas não apodrecessem. Depois cobria a camada de milheiros com erva que lhe tapasse as ranhuras, sobre a qual deitava pás e pás de terra e sobre esta, uma boa quantidade de esterco de vaca, que era coberta também com uma outra camada de terra sobre a qual, então, se colocavam as batatas-doces deitadas, muito direitas e juntinhas, sendo por fim todas muito bem cobertas com uma grande camada de terra muito bem alisada na superfície superior, para que a rama nascesse fofa e direitinha. Ao redor do canteiro era aberto um rego mais profundo do que a camada dos milheiros para que assim toda a água coada por aqueles escorresse para fora do canteiro. Finalmente e a toda a volta, mas do lado de fora do rego, semeava-se um carreiro de milho, o mais basto possível, o qual tinha uma dupla finalidade: ser o bardo protector da “planta” que o canteiro havia de produzir e dar maçarocas para se assarem ou cozerem, uma vez que o milho dos campos tinha outro destino. Passada uma ou duas semanas começava a rama da batata a nascer e a crescer muito verde e basta. Ao fim de três ou quatro semanas estava pronta a ser cortada e levada para os campos.
Nas terras do Porto, das Furnas e do Areal, porque mais férteis e bafejadas pelos ventos marítimos (embora por vezes estigmatizadas pela salmoura) a rama da batata-doce era plantada entre o milho, depois de este ser semeado ou quando começava a nascer. Às mulheres e, por vezes, à criançada competia a tarefa de ir à frente, “espalhando” a rama sobre a terra. A distância entre cada planta deveria ser de um palmo se a mão fosse grande ou de dois para as mãos das crianças. Assim tarefa dos homens, de ir atrás com uma enxada enfiando a planta na terra, tornava-se mais fácil, rápida e eficiente. É que, definido e delineado o local da plantação de cada pé, pelos que iam à frente a “espalhar”, aos homens competia apenas a tarefa de dar uma cavadela com a enxada de “plantar batata-doce” – um enxada mais pequena e de cabo mais curto. Depois a rama crescia viçosa e ramalhuda, enquanto debaixo da terra, miraculosamente, iam-se desenvolvendo e tomando forma enormes batatas. Nas terras mais secas e áridas da Bandeja, das Queimadas, do Mimoio, da Ladeira e do Outeiro tudo era diferente. A batata-doce era plantada de “latada”, isto é, isolada e não em conjunto com qualquer outra cultura. Enquanto as batatas das terras junto do mar cresciam por si e abruptamente ente o milho, as das terras interiores tinham que ser sachadas, mondadas, devendo-lhe ainda ser revirada a rama de forma a lhes arrancar as diversas raízes apócrifas, localizadas ao longo do caule e que se iam fixando no terreno, exigindo um desnecessário esforço e consequente desperdício de energia da planta, impedindo ou dificultando o desenvolvimento da batata.
Chegava a altura da apanha. As batatas das terras do litoral, graúdas e rechonchudas mas muito aguadas e pouco saborosas, eram destinadas à alimentação dos porcos, enquanto a rama, mesmo crivada de bichos horrorosos, constituía um excelente alimento para os animais bovinos. As batatas das terras do interior eram, por sua vez, muto rochas, secas, adocicadas e brancas por dentro, a abarrotar de “carnegão” e que umas vezes eram cozidas outras assadas no forno e constituíam um excelente alimento com que se acompanhava o conduto, naqueles tempos, pouco abundante. Por isso é que muitas vezes as batatas-doces comiam-se sem nada, sobretudo as assadas. Eram excelentes!