PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
CANTAR “OS ANOS BONS”
Todos anos alguns grupos de crianças percorriam todas as ruas da Fajã Grande, no primeiro dia do ano, com o objectivo de cantar “OS ANOS BONS”, junto das portas de quase todas as casas, excepção para as que estavam de luto ou tinham algum enfermo em estado grave. Estes grupos organizavam-se alguns dias antes e tinha como principal critério de formação a idade. Os mais velhos formavam grupos entre si e os mais novos procediam da mesma maneira. Em todos os grupos havia um chefe ou líder que tinham como funções principais formar, preparar e liderar o grupo e ainda a de receber o dinheiro e no fim o dividir equitativamente por todos os membros. No dia de Ano Novo lá iam pelas portas das casas, tocando gaita, ferrinhos e cantando, a fim de que a dona da casa desse uma moedita ou um copinho de licor ou um punhadito de figos passados.
Sempre integrei o grupo dos mais novos que alguns anos depois se desfez, sobretudo porque a maior parte abandonou a ilha com destino à América e ao Canadá. Recordo-me que o líder do meu grupo era o José Nunes, que morava na Fontinha, perto da casa da minha avó e tocava muito bem gaita. Era na loja dele que ensaiávamos e era lá também que terminado o périplo pela freguesia nos juntávamos para contar e dividir o dinheiro, sempre com grande rigor e sem trafulhices ou batota, Faziam parte do grupo para além do José Nunes e de mim, o Heitor, o José do Urbano, o José Tobias, o Antonino Lourenço e o José Gabriel.
Chegados juntos da casa cantávamos a primeira quadra desejando aos donos Bom Anos:
Anos Bons e tão Bons Anos,
Deus vos dê de melhorados,
Tudo isto passou Cristo
Perdoai nossos pecados.
Ó senhora dona da casa
Raminho da salsa crua
Lá aos pés da sua cama
Nasce o Sol e põe-se a Lua
Se a porta se abria logo, sinal de que nos haviam de dar alguma coisa, cantava-se esta quadra:
A senhora Mariquinhas
Assentada na cadeira
Parece um botão de rosa
Apanhado na roseira.
Se a porta demorava em abrir-se ou nem sequer se abria, sabendo nós que a dona estava em casa, cantavam-se estas:
Ò Senhora Mariquinhas
Meu raminho de tremoço
Venha-nos abrir a porta
Se não canto até ao’almoço.
Ò Senhora Mariquinhas
Coração de pedra dura,
Venha-nos abrir aporta
Estou co’a mão na fechadura.