PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
CENTENÁRIO DO NAUFRÁGIO DA BIDART
Hoje, dia 25 de maio de 2015 faz, precisamente, 100 anos que aconteceu o maior naufrágio de sempre nos baixios da Fajã Grande, na ilha das Flores. Na verdade, foi na madrugada do dia 25 de maio de 1915, pelas 4h30 da manhã, que a barca francesa Bidart, mas que o povo da Fajã Grande havia de alcunhar de “Bidarta”, sob o comando do capitão Jacques Blondel, naufragou por fora da Poça das Salemas, no Canto do Areal. Acossada por um intenso nevoeiro, a embarcação, sem que ninguém se apercebesse, aproximou-se de uma zona de rebentação, embatendo nuns rochedos do baixio que ali existem. Transportava minério de níquel com o valor declarado de 500 mil francos e vinha de Thio, na Nova Caledónia, sulcando os mares dos Açores com destino ao porto de Glasgow, na Escócia,
Por entre a neblina matinal, perante as condições adversas de mar e do vento, não foi possível evitar que a barca encalhasse a uns escassos metros de terra. A bordo, o comandante Jacques Blondel tentava proceder à manobra da embarcação, uma tarefa que não era em nada facilitada pela escassez de tripulantes válidos. Com efeito, em pleno século XX, ainda se morria de escorbuto a bordo dos navios oceânicos. A longa viagem, sem escalas, que a barca Bidart realizava era propícia ao desenvolvimento desta doença, causada por uma deficiência de alimentos frescos e água doce. O escorbuto, causador de perturbações ósseas e de dores musculares, provocava também o aparecimento de fadiga e de depressões, o que em muito terá contribuído para a falta de capacidade da tripulação em evitar o pior. Um dos marinheiros havia morrido na véspera, pese embora o cadáver ainda se encontrasse a bordo.
Após vários dias de sol encoberto e da presença omnipresente de brumas e nevoeiros, durante os quais não fora possível posicionar o navio pelo sol, o comandante estava praticamente perdido, sem poder identificar as coordenadas de navegação. Para piorar ainda mais as coisas, durante o anoitecer do dia 24 de Maio, morreu um dos marinheiros, de nome Letloc. Outros estavam doentes e debilitados. Com o embate nos rochedos, o casco da Bidart partiu-se em dois, vindo a afundar-se até ao castelo de popa, a cerca de 8 metros de profundidade.
Dos outros 22 tripulantes, apenas 14 se salvaram, alguns deles feridos, uns com maior gravidade outros com pequenos ferimentos. Assim que foram recolhidos, por populares que, acordados com os silvos da embarcação, acorreram à costa, lançando cordas e tábuas ao mar. Os náufragos foram agasalhados e tratados pela população da freguesia e recolhidos na loja de uma casa das Courelas, transformada em centro hospitalar de apoio. Consta que o comandante Jacques Blondel, o último a ser salvo foi vestido com roupas de mulher, por já não haver de homem. No meio de todo este azar, no entanto, o mais azarado acabou por ser o imediato. Este, que estava para se casar e que iria assumir o comando da Bidart, já tinha naufragado anteriormente nos Açores quando, simples marinheiro a bordo da galera francesa Caroline, tinha encalhado na vila da Madalena, ilha do Pico, a 3 de Setembro de 1901. Sobreviveu ao primeiro naufrágio mas não sobreviveu ao segundo. Já ao fim da tarde, chegou apoio de Santa Cruz, incluindo o médico que procedeu aos primeiros socorros, fazendo embarcar os feridos mais graves para o hospital da vila de Santa Cruz, no dia seguinte, assim que as condições do mar o permitiram.
Por iniciativa do vice-vigário da freguesia, reverendo Caetano Bernardo de Sousa, fez-se o sepultamento de quatro dos cadáveres com toda a solenidade, com a presença de todo o povo da freguesia. Dois foram encontrados nos mares da Fajãzinha e sepultados nesta freguesia. Dias depois, os sobreviventes embarcaram para Lisboa, a bordo do paquete Funchal, com escala em Angra do Heroísmo a 15 de junho de 1915. Os salvados da barca e da carga foram avaliados em cerca de 300 mil francos, e arrematados por José Azevedo da Silveira por 210$000 réis, no dia 29 de maio. O resto do navio estava submerso a alguns palmos abaixo da linha d'agua, tendo dentro parte da carga e todos os objetos de bordo, conservas e algum dinheiro. Por vários dias, o mar em volta do naufrágio tomou uma cor avermelhada, devido à fuga do minério de níquel que vinha embarcado a bordo da Bidart. No entanto o povo nunca se aproximou na procura de destroços, por cuidar que aquela cor era devida à presença do cadáver de Letoc que nunca foi retirado da embarcação.
A barca Bidart fora construída em 1901, pelos estaleiros navais Chantier Nantais de Construction Maritime, de Nantes. Tinha 2199 toneladas de arqueação bruta e 1917 toneladas de arqueação liquida. O casco era de aço, tinha 84 metros de comprimento, com 12,30 metros de boca e 6,80 metros de calado. Como todas as barcas, tinha 3 mastros, largava pano redondo no de proa e no grande, e um latino quadrangular e gave-tope no de ré. Os mastros de proa e grande tinham dois mastaréus enquanto o de ré - denominado da mezena - tinha um só.