PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
COIMBRA AVEIRO ROSSIO LISBOA OVAR SETÚBAL
A primeira vez que escrevi e enviei um telegrama era ainda uma criança. Estava de férias, num dos meus primeiros anos de estudo e tive que pedir ao Reitor do Seminário onde estudava, que por razões de saúde do meu progenitor, me autorizasse a regressar a Angra mais cedo do que o estabelecido no final do ano letivo anterior. Peguei num papelinho, escrevi o texto. Como por razões económicas, reduzi ao máximo o número de palavrassem, esqueci-me de o assinar e dirigi-me à loja da Senhora Dias, paredes meias com o adro da igreja, onde funcionava a estação de correio da freguesia.
Ao chegar à loja aguardei a minha vez. Foi a Senhora Dias, com o seu ar sisudo e pouco amável que me atendeu. Expliquei-lhe o que pretendia, entreguei-lhe o papelinho e ela fechou-se num pequeno cubículo que existia dentro do balcão e onde ela se refugiava para atender o telefone, para enviar os telegramas e onde tinha uma espécie de pequeno escritório.
Como fechasse a porta, nada ouvi do que ela disse ou o que lhe disseram, nem sequer percebi como enviou o telegrama. Mas no fim, abrindo a porta da pequena cabina interrogou-me com ar repreensivo e intimidatório:
- Quem é que o expele?
Fiquei embasbacado pois desconhecia o significado daquela para mim estranha palavra. Perante a minha perplexidade, ela insistiu;
- Quem assina o telegrama?
- Eu, Carlos. – Retorqui.
A senhora Dias regressou à cabina, sentou-se, deixando, desta feita, a porta aberta. Assim e para espanto meu, pude ouvir com nitidez a mensagem que enviava. Com voz nítida, firme e pausada dizia para quem estava do outro lado da linha:
- Coimbra… Aveiro… Rossio… Lisboa… Ovar… Setúbal.
Fiquei arrebatado de assombro e perplexidade. Eu sabia que cada palavra de um telegrama era paga a peso de oiro e, por isso, tivera tanto cuidado em escrever o menor número de palavras no texto. Até evitara o meu nome e ela obrigava-me a pagar mais seis palavras desnecessárias.
Perante a minha revolta e contestação ela explicou:
- És mesmo parvinho. Não sei de que te serve andares a estudar no Seminário… Aquelas palavras são as iniciais do teu nome. É uma forma que utilizámos no telégrafo para que a informação seja mais segura. Pagas apenas as palavras do texto e mais uma, o teu nome.
Paguei, agradeci e fiquei a saber que em termos de telégrafo me chamava Coimbra Aveiro Rossio Lisboa Ovar Setúbal, o que me fez lembrar a linguagem dos “pês” com que brincava na escola e segundo a qual me chamava Carpalospos.