PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
CORTARAM O SANTO PINDIÃO
Na década de sessenta, era por demais falada e conhecida a imponente e grandiosa procissão do Senhor dos Passos, que se realizava na freguesia da Ribeirinha, ilha Terceira. Nessa procissão incorporavam-se, para além de várias imagens, alguns símbolos religiosos adequados à solenidade, com destaque para um enorme guião de cor roxa, tendo na parte superior, a amarelo, as iniciais que os imperadores romanos gravavam nos estandartes dos seus vitoriosos exércitos – S P Q R - Senatus Populus Que Romanus, que a igreja cristianizou, adoptando-as nos guiões das festas de Passos, interpretando-as da seguinte forma “Salvai o Povo Que Remistes” e que o Padre Jacinto de Almeida, em tom jocoso, numa aula de Latim, ainda traduziu de outra maneira “Senhor Padre Quero Rosquilhas.
Pois o guião ou pendão do Senhor dos Passos da Ribeirinha, um ex-libris daquela freguesia terceirense, era, senão o maior, um dos mais agigantados dos Açores. Era tão grande e tão pesado que, para o transportar, era necessário escolher o homem mais valente da freguesia, o que, na verdade, constituía uma honra para o eleito. Durante o préstito e para aliviar o gigantesco esforço despendido, era tradição as mulheres cozerem ovos e, depois de os descascar, enfiá-los, na boca do portador do emblemático guião, que não se havia de livrar duma valente crise de fígado, rezando a seguinte jaculatória;
- Para que Nosse Sinhiô te dê forças para levares o Santo Pindião.
Por estes dias tive o privilégio de tomar café, com o actual pároco da Ribeirinha, o padre António Henriques, de passagem pelo Pico, a pregar o novenário da festa do Senhor Bom Jesus. Tomei então a liberdade de lhe perguntar se ainda se fazia a festa do Senhor dos Passos, se ainda levavam o célebre guião, se ainda escolhiam o homem mais forte da freguesia para o transportar e se se mantinha a tradição das mulheres lhe enfiarem os ovos cozidos na boca. Respondeu-me que realmente ainda realizavam a procissão, mas que, quanto ao resto já não faziam, por que já tinham cortado um bom pedaço do pendão que assim, para além de mais curto, ficou mais leve.
Ai, os homens de outros tempos, que eram bem mais fortes do que os de agora!