PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
DOM JOSÉ VIEIRA ALVERNAZ
O livro de Maria Guiomar Lima “José Vieira Alvernaz” foi publicado pelo IAC e apresentado durante a sessão de encerramento da Semana Cultural e Recreativa da Ribeirinha do Pico, cabendo a apresentação do mesmo a Emílio Porto. Trata-se de uma obra de grande rigor histórico e de agradável leitura onde se rela a vida de uma das mais altas e destacadas figuras da Igreja Açoriana, D. José Vieira Alvernaz (5-2-1898/13-3-1986). O Patriarca Alvernaz, como também é conhecido, nasceu na Ribeirinha do Pico, (na altura um lugar da Piedade) estudou no liceu de Angra e no Seminário Episcopal, formou-se na Universidade Gregoriana em Roma e no Instituto de Ciências Sociais de Bergamo. Foi fundador do Colégio Sena Freitas em Ponta Delgada, pároco em Santa Luzia e na Praia da Vitória, professor e mais tarde reitor do Seminário de Angra. Dirigiu o boletim da diocese, colaborou assiduamente nos jornais A União e A Pátria, sendo uma figura de destaque na vida social angrense nos anos 1930/40. Nomeado bispo de Cochim em 1941 e mais tarde arcebispo de Goa e Damão, Patriarca das Índias, Primaz do Oriente, foi o último prelado português a ocupar estes cargos. Manteve-se na Índia até Setembro de 1962 mas, para facilitar a nomeação de um bispo goês, deixou Pangim. Voltou aos Açores no início do ano seguinte e viveu em Santa Luzia de uma forma modesta, retirada mas muito próxima da população. Manteve os seus títulos de arcebispo e Patriarca das Índias até à assinatura do Tratado de 31 de Dezembro de 1974 entre Portugal e a União Indiana.
O livro agora publicado é tanto mais interessante, completo e rigoroso, porquanto Maria Guiomar Lima, Licenciada em Psicologia e Ciências da Educação, com larga experiência em jornalismo e investigação histórica e biográfica, também natural da Ribeirinha, viveu em Angra entre 1959 e 1972, conheceu e privou com o D. José durante largos anos.
A obra está divida em seis partes. Na primeira retracta-se a infância e a vida de D. José como aluno em Angra, enquanto na segunda, nos é apresentada a sua vida de estudante em Roma e em Bérgamo. Na terceira parte é-nos apresentado o Dr Alvernaz como professor e Reitor do Seminário, na Angra dos anos trinta, enquanto nas seguintes se descreve a atribulada vida do Bispo, Arcebispo e Patriarca por Cochim, Malabar, Goa e outras paragens da Índia. Finalmente o livro termina com o regresso de D. José aos Açores, descrevendo a sua vida simples e humilde, entre 1963-1968, na sua casa de Santa Luzia, onde, inclusivamente, dava explicações gratuitas aos alunos mais pobres do liceu.
D. José Vieira Alvernaz, a veneranda figura da Igreja missionária, bispo de Cochim, arcebispo de Goa e Damão, Patriarca das índias Orientais, estudou no Seminário de Angra, onde se matriculou em 2 de Novembro de 1909, distinguindo-se como um aluno brilhante. Quando o Seminário encerrou, em 1911, a quando da proclamação da República, continuou os seus estudos no liceu de Angra do Heroísmo. Terminou o Curso de Teologia e ordenou-se presbítero em 1920, seguindo para Roma a fim de frequentar o Pontifício Colégio Português, vindo a doutorar-se na Universidade Gregoriana em filosofia e direito canónico. Matriculou-se, também, no Instituto Católico de Ciências Sociais, de Bérgamo, doutoramento em Ciências Sociais, naquela cidade italiana. Regressado às ilhas dos Açores, paroquiou em Santa Luzia de Angra, por nomeação do então prelado diocesano D. António Augusto de Castro Meireles, foi director do Colégio de Sena Freitas, em Ponta Delgada, onde foi "grande e profícua a sua acção, durante os quatro anos" em que esteve à frente daquele colégio. "Ainda hoje, afirma o Boletim Eclesiástico dos Açores, falam os antigos alunos do colégio, com saudade e reconhecimento, da dedicação, do espírito de sacrifício, dos conselhos acertados do sr. dr. Alvernaz”. No ano de 1930 o bispo D. Guilherme Augusto nomeou-o pároco de Santa Cruz da então vila da Praia da Vitória, onde a sua obra foi "marcada por uma luz brilhante", ali também exercendo as funções da provedoria da Santa Casa da Misericórdia, tendo-se empenhado pela reedificação da igreja de Santo Cristo, que o fogo destruíra. Colaborou activamente na imprensa terceirense, por vezes, com temas polémicos, sendo considerado uma das maiores figuras do jornalismo moderno açoriano. Professor do seminário de Angra, em 1937 foi nomeado reitor deste estabelecimento de ensino. Foi também dirigente da Acção Católica, fazendo conferências e palestras, reuniões e retiros espirituais, orientando reuniões de militantes e de massa, visitando as secções. Foi capelão e director dos serviços sociais da Legião Portuguesa, sendo ampla a sua acção na defesa dos princípios religiosos e morais. Quando falava fazia-o dando exemplo enquanto que, com a palavra "convencia e apontava o caminho da perfeição a seguir. A sua vida foi para os seminaristas o maior incentivo ao cumprimento do dever e à consecução do bem".
D. José Vieira Alvernaz, foi um espírito culto e muito viajado. A 13 de Agosto de 1941 Pio XII fê-lo bispo de Cochim, havendo decorrido em Lisboa as cerimónias da sua sagração a 1 de Dezembro desse ano, na Basílica dos Mártires, sob a presidência do bispo de Angra D. Guilherme Augusto da Cunha Guimarães, assistido por D. Abílio Augusto Vaz das Neves, bispo de Bragança e Miranda, e D. Manuel Ferreira da Silva, bispo titular de Gurza e superior das Missões Ultramarinas.
Passados dois meses, a 18 de Fevereiro de 1942, D. José chegava à Índia. na companhia do seu secretário Pe. José Joaquim Neves, até então prefeito do seminário de Angra. O bispo de Goa usava a denominação de Arcebispo de Goa e Damão, Primaz do Oriente, Patriarca das Índias Orientais, Arcebispo "ad honorem" de Granganor. Com a independência da Índia extinguiu-se o Padroado Português no Oriente, deixando o governo de Portugal de fazer a apresentação de prelados às dioceses que até ali estiveram subordinadas ao Padroado, entre elas a de Cochim, cujo sólio era nessa altura ocupado por D. José Vieira Alvernaz, que, mercê do destino foi o último prelado português de Cochim.
Como resultado destas ocorrências a Santa Sé nomeou D. José coadjutor com direito a sucessão do arcebispado de Goa e Damão iure successionis. Patriarca das Índias Orientais a 23 de Dezembro de 1950 e arcebispo titular de Anasartha, cuja posse efectivaria em 7 de Abril de 1951. Sucedeu na Sé de Goa quando da renúncia (1953) de D. José da Costa Nunes, outro emérito açoriano a quem viria a ser dado o chapéu cardinalício.
Devido à ocupação de Goa pela União Indiana, D. José Alvernaz viu-se compelido a deixar o território da sua jurisdição, passando aquela arquidiocese a ser governada sede plena a partir de 1966 por um administrador apostólico. No ano de 1946 D. José foi de visita aos Estados Unidos, viagem algo conturbada, porquanto o navio naufragaria nas proximidades do Canal do Suez. Mas ao chegar ao generoso solo americano este bispo missionário foi alvo das maiores homenagens e simpatias, não só por parte da gente portuguesa, mas, viu-se distinguido por personalidades importantes do próprio país. Depois dos acontecimentos políticos na Índia portuguesa, Dom José voltou ao seu recanto açoriano, fixando residência na freguesia de Santa Luzia, retomando os hábitos da vida simples açoriana. E a sua figura missionária de longas barbas alvas é tanto singular a presidir cerimoniais litúrgicos, como em sociedade, ou, quando, recolhidamente, ia às "Mónicas" celebrar a sua missa. Os seus conterrâneos picoenses, nomeadamente os que, como ele, nasceram e viveram na Ribeirinha do Pico, não esqueceram o bispo de Cochin erigindo-lhe um busto de bronze. Os terceirenses também não foram avaros com este prelado cuja veneranda presença lhes é grata, tendo o município angrense, que já o tinha declarado Cidadão Honorário da Cidade de Angra, associando-se ao jubiloso acontecimento das suas Bodas de Ouro sacerdotais para, mais uma vez, prestar homenagem. Faleceu no dia 13 de Março de 1986, na sua residência da Ladeira de Santa Luzia, na cidade de Angra, sendo o seu corpo trasladado, mais tarde, para o seminário, onde ficou em câmara ardente. O féretro passou, na manhã seguinte, à Sé Catedral, onde se realizaram solenes exéquias presididas por D. Aurélio, bispo diocesano, indo o seu corpo a sepultar no cemitério de Nossa Senhora da Conceição, em campa de família. D. José era filho de José Vieira Alvemaz e de D. Perpétua Mariana, e irmão de Monsenhor Manuel Vieira Alvernaz, que foi pároco da igreja do Sagrado Coração em Turlock, na Califómia, Estados Unidos da América do Norte.