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DR JOSÉ SOARES NUNES

Segunda-feira, 27.01.14

Aqui, da ilha montanha, parcialmente boqueado do mundo, da informação e, sobretudo, da Internet, uma vez que não disponho de outro meio que não seja um simples, mas muito gastador e, por vezes, desajustado Mobile USP, raramente recebo informação actualizada.

Hoje porém foi-me permitido aceder ao FB e entre outras, recebi uma agradabilíssima notícia: a Assembleia Regional dos Açores decidiu homenagear, entre outros ilustres açorianos, José Soares Nunes, Monsenhor e professor no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo. Lendo com maior atenção a notícia que de imediato me despertou um interesse gigantesco, percebi que a Monsenhor José Nunes será atribuída, no próximo dia vinte, a Insígnia Autonómica de Mérito Cívico dos Açores

Fui aluno do Dr José Nunes, no Seminário de Angra, na década de sessenta, tinha ele acabado de chegar de Roma, onde havia feito a sua formação universitária. Primeiro tive-o como professor de Grego e, três anos depois, como mestre de Teologia Dogmática. Durante estes anos, o Dr José Nunes exerceu também o cargo de Vice-Reitor do Seminário, onde se manteve até ao presente, como professor. Ao longo destas cerca de cinco décadas, ter-se-ão sentado à sua frente centenas de alunos, muitos dos quais poderão, com certeza, dar, em momento tão solene, testemunhos muito mais válidos e doutos, mas não mais verdadeiros e sinceros, sobre o mestre.

Sentei-me na carteira de aluno, durante vinte e dois anos e na de professor trinta e seis e, por isso, tive a possibilidade de perceber que cada aluno tem sempre, no seu, íntimo, entre os seus professores, um preferido, talvez mesmo, de eleição e, consequentemente, mais desejado e mais querido. Porém, nem sempre todos os alunos são unânimes ou consensuais nesta sua, subjectiva e muito pessoal, escolha.

Para mim e que me perdoem todos os outros de que guardo as mais belas recordações e grandes amizades, José Nunes foi o meu professor de eleição e já lho confessei. Provavelmente, não terá sido o professor mais sábio, nem sequer o mais competente, talvez até nem aquele que me dispensasse maior atenção e amizade, mas com certeza que foi, por quantas atitudes suas ao longo de mais de meia de dúzia de anos como aluno, pude perceber, o mais humilde. E isso me basta, para hoje e desta forma simples e singela o homenagear!

Senhor duma simplicidade deslumbrante, o Dr José Nunes entrava na aula com uma postura horizontal, paralela aos alunos, firmando-se como mais um de nós, uma espécie de colega mais velho que partilhava os conteúdos programáticos das disciplinas de que era responsável. Não se sentava na cátedra do mestre para ensinar, mas colocava-se ao lado dos alunos para partilhar conhecimentos. Isso fazia com que as suas aulas se transformassem em momentos duma envolvência fantástica, em que o mestre, embora mantendo a sua dignidade, se metamorfoseava numa espécie de companheiro que ajudava, amparava, apoiava, auxiliava e nunca recriminava, reprimia ou descriminava quem quer que fosse, por errar ou até por não saber. Magnânimo na condescendência, benevolente no esforço, complacente nas dificuldades, encorajante no desânimo, fortalecedor nas fraquezas e tolerante no erro, o professor José Nunes, perante os descalabros em que as traduções do grego eram férteis, nunca recriminava, condenava ou sequer utilizava a tradicional expressão: “Está errado.” Perante o maior dos erros de qualquer um dos alunos, apenas e tão-somente, com o doce sorriso que lhe era peculiar, sugeria: “Eu acho que isso se pode traduzir doutra maneira”.

Não resisto a transcrever um dos mais significativos episódios reveladores da sua simples e natural humildade. Estava eu, certa tarde, no quarto do Dr Américo Vieira, na altura Director Espiritual do Seminário e considerado uma “sumidade” em Teologia Dogmática. Bateram à porta. Era do Dr José Nunes que, enquanto preparava a aula do dia seguinte, lhe tinha surgido uma dificuldade e vinha esclarecê-la com o Dr Américo. Apesar de me ver, não se coibiu de pedir a ajuda e de a receber. Eu era um dos alunos com quem ele teria a aula no dia seguinte…

Passaram-se muitos anos e seguimos destinos diferentes, desencontrando-nos nos caminhos da vida. Regressei a Angra e procurei o Dr José Nunes. Estivemos horas a conversar, num café de Angra. Tive a oportunidade de recordar, na frente dele, o seu perfil de mestre, cuja postura simples, amiga e humilde, nunca esqueci. Mais, confessei-lhe que ao longo da minha vida de professor me lembrei muitas vezes dele, modelando a minha postura e o meu relacionamento com os meus alunos, por aquele modelo de simplicidade e humildade que descobrira nele, granjeando assim uma amizade recíproca. Felizmente, pude concluir que isso resultara num deslumbrante sucesso da minha actividade profissional, obtendo, sempre, da parte dos meus alunos uma amizade transcendente e recíproca e respeito verdadeiro e inequívoco.

Há uns anos, rejubilei de contentamento quando soube que a Santa Sé havia reconhecido os méritos do Dr José Nunes, atribuindo-lhe o título de Monsenhor. Agora voltei a exultar de alegria porque a Sociedade Civil e o Poder Político lhe atribuíram esta insígnia, a qual, para além de representar o seu reconhecimento público como um cidadão que, ao longo da sua vida, contribuiu de forma significativa para consolidar a identidade histórica, cultural e política do povo açoriano, pretende também, “de forma simbólica, estimular a continuidade e emergência de feitos, méritos e virtudes com especial relevo na construção do património insular”. Na realidade o Dr José Nunes, com justiça, se junta ao rol daqueles açorianos que foram reconhecidos por se notabilizarem com o seu labor, a sua arte ou o seu pensamento, simbolizando a perpetuação da própria identidade açoriana.

Recorde-se que o Dr José Soares Nunes é natural da freguesia dos Rosais, ilha S. Jorge, tendo entrado para o Seminário de Angra em 1946, completando o curso de Teologia, no ano de 1958. Por não ter a idade canónica na altura, foi ordenado de Presbítero a 6 de Janeiro de 1960 na capela do Seminário Episcopal de Angra, por D. Manuel Afonso de Carvalho, a quem servira já como secretário. Após a Licenciatura em Teologia Dogmática, na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, o Padre José Nunes regressou à diocese de Angra, passando a integrar o quadro de professores do Seminário Episcopal de Angra, onde se tem mantido até ao presente, tendo contribuído, ao longo de várias décadas para a formação de muitos sacerdotes ao serviço da Igreja. Entre outros serviços prestados à diocese angrense, foi Vigário Episcopal da Ilha Terceira, capelão do BI 17, do Regimento de Infantaria e do Regimento de Guarnição nº1 em Angra durante mais de três décadas, Administrador Paroquial do Posto Santo em 1997/1998, e capelão de várias casas religiosas. Actualmente, além de professor de Teologia, ocupa também o cargo de vice-chanceler da cúria diocesana.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:33





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