PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
DÚVIDAS
Durante o ano havia várias festas na vila. A maior era a festa em Honra do Divino Salvador. É que para além das celebrações religiosas havia muitas outras actividades que Mariana adorava. Na feira eram os carrosséis alguns destinados apenas às crianças, os artesãos expondo uma grande variedade de produtos artesanais e as barracas das farturas e de comes e bebes que proliferavam por toda a parte. A vila engalanava-se toda com bandeiras, luzes, arcos e balões. No domingo eram as celebrações litúrgicas que tinham lugar de realce. De manha missa cantada com sermão, com a Matriz a abarrotar de gente e de calor. À tarde era a procissão. Mariana adorava-a. A avó Leocádia, prevendo alguns problemas a quando do seu nascimento, prometera que, logo que a menina andasse pelos seus pezinhos, havia de ir todos os anos, na procissão, vestida de anjinho. A mãe esmerava-se na preparação das roupitas. Faltasse tudo lá em casa, mas promessa era promessa e, por isso, a roupa que a menina vestiria para a procissão do Divino Salvador nunca havia de faltar.
Os domingos eram dias diferentes, mas apenas da parte da manhã. As tardes, porém, eram ainda de mais labuta do que os dias de semana. Os pais reservavam para as tardes domingueiras os trabalhos mais leves mas considerados necessários. O pai dava feno e erva ao Lavrado, ordenhava a cabra e apanhava os legumes enquanto a mãe tratava do porco e dava uma barrela à casa.
Este trabalho contínuo, persistente e sem futuro começava, por vezes, a indignar o pai da Mariana. Aquilo era uma vida miserável. Trabalhava-se, trabalhava-se para ter apenas o sustento de cada dia. Por várias vezes ensaiara algumas tentativas de arranjar emprego nalgumas fábricas de móveis, que começavam a surgir por ali. Mas não tivera sorte, nunca fora admitido por falta de qualificação. É verdade que já lhe tinham oferecido emprego em Valongo e até no Porto, mas recusara-os. Os transportes eram muito caros e demorados, obrigando-o a sair alta madrugada e regressar a casa pela noite dentro. Assim ficava totalmente impossibilitado de continuar a trabalhar o campo e a Teresa sozinha e com as crianças muito pequeninas não podia atender a tudo. Além disso os ordenados propostos eram muito baixos, quase nem chegavam para os transportes.
Mas a ideia de abandonar a agricultura e mudar de vida nunca saiu por completo do pensamento do pai da Mariana. Muitas vezes, à noite juntamente com a mulher, quando as crianças já dormiam, lamentava aquela vida árdua e cansativa, sobretudo para ela. Não fora para aquilo que a tirara de casa dos pais, da Tornada, lá nas Caldas da Rainha. E os filhos? Que futuro lhes preparava? Continuarem ali, agarrados à rabiça do arado ou ao cabo da enxada para ter apenas um caldo de couves e um bocado de broa ao fim do dia? Não, não podia ser assim. Tinham que pensar em mudar de vida, em construir um futuro melhor sobretudo para os filhos. Para isso tinham que se aventurar.
A mulher bem o tentava demover lembrando que não estava nada incomodada com aquela vida. Casara com ele por amor e era por amor que tinha deixado os seus pais e tinha saído das Caldas. Além disso estava habituada à vida do campo. Também na Tornada, desde que terminara a quarta classe, sempre se habituara ao trabalho agrícola, ajudando os pais nas lides agrárias e que a mãe lhe estava sempre a dizer que ela não nascera para princesa.