PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
ÉS FINGE
O que te perturba é o que és?
Então finge seres o cavaleiro das nuvens adormecidas.
Sobe o deserto das inseguranças permanentes
E sozinho, medita no silêncio pálido da madrugada.
As portas estão cerradas e as lareiras ainda não se acenderam.
A água das ribeiras secou, o mar povoou-se de bruma.
Ainda nenhum pássaro cantou.
O que te perturba é o que és?
Então finge seres o cavaleiro das florestas acinzentadas.
Vagueia na planície das revoluções atrofiadas
E sozinho peneira o suco dos rumores indiscretos.
As caves estão cheias de silêncio e de bafio e as lezírias amareladas e apodrecidas.
Os ninhos das gaivotas foram incinerados, os lírios perderam a cor branca.
As miragens das montanhas encharcaram-se de penumbra.
O que te perturba é o que és?
Então finge seres o cavaleiro das flores sem pétalas e sem perfume.
Desce, sozinho, as escadas que conduzem aos recônditos da solidão
Beja o vento e agarra-o como se fosse uma rosa vermelha.
As angústias foram institucionalizadas como dogmas e o vinho é amarelo,
O orvalho iluminou a face dos mortos, o rosto dos descrentes encheu-se de brilho.
As orgias dos matagais foram proibidas por decreto
O que te perturba é o que és?
Então finge seres o libertador das estrelas perdidas entre o restolho das procelas.
Grava, com o estilo da soturnidade, retalhos de lume sobre a lava negra
E desenha grinaldas de anémonas cor-de-rosa nos raios do sol matinal.
As nuvens nunca se esquecerão de proteger a tua audácia
E as noites azuladas da primavera acorrentar-te-ão ao cais da inocência
Porque és quem finge.
És? Finge.