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HOMENAGEM AO SEMINÁRIO DE ANGRA, AOS PROFESSORES E ALUNOS DAS DÉCADAS DE 50/60

Domingo, 14.10.18

Estamos aqui para prestar homenagem ao Seminário Episcopal de Angra, única instituição de ensino pós-secundário, nos Açores até 1976, ano em que foi criada a Universidade açoriana, que foi um notável e inexaurível alforge de ciência, de arte, de música e de cultura, onde se formaram, para além do clero açoriano, de onde emergiram muitas eminentes figuras da igreja católica, grande parte da classe dirigente, da intelectualidade e da cultura açorianas.

Foi sobretudo nas décadas de cinquenta e sessenta que esta instituição atingiu o apogeu da sua notabilidade e da sua génese formadora. Mas nesta ocasião e neste momento não se pode nem se deve ficar apenas por uma referência a esta notável e excelsa geração das décadas de 50 e 60, a que a maior parte dos que estão aqui presentes se orgulha de ter pertencido. Importa recordar também aqueles que, antes de nós, por aqui passaram, desde o início da fundação deste Seminário, altura em que, durante alguns anos, repartiu as suas instalações com o Liceu desta cidade. Nas primeiras décadas do século passado, nomeadamente, a quando da implantação da República em Portugal e da separação entre Igreja e Estado, no princípio de Outubro de 1911, altura em que o poder civil, invocando os princípios que defendia e proclamava, tomou conta do edifício onde funcionava o Seminário e que pertencia à diocese. Este embora passando por diversíssimas e inverosímeis vicissitudes, sobreviveu. Nessa altura alguns alunos foram forçados a abandonar o curso, enquanto outros se instalaram em casas particulares ou das suas próprias famílias, no caso dos alunos da Terceira, indo receber lições às moradas dos próprios professores, como refere o Cónego José Augusto Pereira, nos seus livros “O Seminário de Angra” e “A Diocese de Angra na História dos seus Prelados”. Entre os alunos que foram forçados a abandonar o Seminário, estava o estudante José Vieira Alvernaz, como narra Maria Guiomar Lima, no livro recentemente publicado, sobre a figura daquele que foi um dos mais credenciados Patriarca das Índias: “Quando o Seminário encerrou o jovem Alvernaz continuou a estudar no Liceu de Angra, reinstalado no Convento de são Francisco. O ensino era mais caro, porém, o pai incentivou-o a não desistir”… Nessa altura, foi colega, amigo e companheiro de Vitorino Nemésio.

Nas décadas de 50 /60 ainda nos chegavam ecos e memórias de toda uma geração anterior que ao longo dos quase cem anos de existência do Seminário, lutara por construir e edificar uma instituição que era incontestavelmente o reflexo da força, do saber e da cultura. Umas vezes eram os professores de então e sobretudo os clérigos das paróquias a que pertencíamos, que recordavam os nomes, referiam a sabedoria e exaltavam a competência dos seus antigos mestres, enquanto noutras, nos era proporcionado ler os escritos e as memórias que muitos antigos alunos de anos anteriores nos haviam legado. Era frequente ouvirem-se os nomes do Dr Cardoso do Couto, este até atribuído à Academia dos Médios, o Dr Botelho, o Dr Bettencourt, o cónego Garcia da Rosa, o cónego Pereira e o Dr José Vieira Alvernaz, entre muitos outros. Do mesmo modo éramos incendiados pelos escritos de muitos homens, alguns deles padres, mas também dedicados às letras, que haviam feito a sua formação no Seminário, como Bernardo Maciel, Nunes da Rosa, José Jacinto Botelho, Valério Florense, Osório Goulart, Cónego Pereira, Diniz da Luz e mais recentemente, José Machado Lourenço, Coelho de Sousa, José Enes e Cunha de Oliveira ou à Música, como Tomás de Borba, Francisco Lacerda, o padre José d’Ávila, o padre José Luís de Fraga que nas letras usou o pseudónimo acima referido de Valério Florense, e tantos outros.

Era todo este passado nobre, glorioso, era toda uma tradição forte, ingente e diversificada que pairavam no Seminário e se iam transmitindo de geração em geração, quer através das frequentes alusões a antigos mestres e a sacerdotes músicos poetas e escritores e ainda a outras eminentes figuras da igreja católica, cujas fotos ornamentavam as paredes do salão de estudo dos Médios e também salão de festas, com destaque para o Cardeal D. José da Costa Nunes e os bispos, D. Manuel Medeiros Guerreiro, D. José Vieira Alvernaz, D. Jaime Garcia Goulart, D. Paulo José Tavares, D. José Pedro da Silva, cujas actividades pastorais, sobretudo por terras do Oriente, caíam sobre nós em catadupa e como que nos acicatavam os ânimos e as vontades, a fim de perseguirmos, sob a orientação dos mestres de então, na senda dos mais nobres ideais do humanismo, da cultura, das ciências, das letras e, também, como não poderia deixar de ser, da formação sacerdotal e da religião.

Assim, durante doze anos, o Seminário de Angra dispunha e disponibilizava, aos que o demandavam, um plano curricular exigente, completo, abrangente e rigoroso, complementado com actividades de índole intelectual e cultural, desde a música ao teatro, passando pelo jornalismo, através de academias, sabatinas, jornais, palestras, reuniões, semanas culturais, etc.

Quanto ao plano curricular, referirei apenas o curso de Teologia, extensivo aos últimos quatro anos de estudo e que se dirigia fundamentalmente à formação específica dos futuros sacerdotes, abrangendo um tronco de disciplinas básicas, com uma exaustiva carga horária Embora não se tendo verificado, nesta etapa final do ensino do Seminário, nenhuma reforma curricular, como no preparatório e no de Filosofia, em termos de alteração ou enriquecimento do currículo, nos finais da década de sessenta verificaram-se grandes e profundas reformas, não só a nível dos conteúdos de algumas disciplinas mas também e sobretudo no que à metodologia dizia respeito. Na génese destas alterações, estiveram alguns dos professores de então, como o Dr Cunha de Oliveira em Sagrada Escritura e dr Francisco Carmo em Economia Social e ainda e sobretudo uma nova geração de professores, recentemente regressados de Roma: o Dr José Nunes em Teologia Dogmática, o Dr Manuel António, em Moral, o Dr Artur Goulart em Liturgia, o Dr Caetano Valadão em História do Cristianismo, o dr Vasco Parreira em Teologia Pastoral. Era o princípio do fim dos velhos compêndios profundamente enraizados nos princípios e axiomas da Escolástica Medieval e o libertar-se dos meandros da Casuística, fechada e obsoleta. Era o dealbar duma nova era, onde pontificavam as orientações e as doutrinas emanadas dos documentos do Concílio Vaticano II e a leitura de teólogos modernos, como Juan Alfaro e Bernard Haring, frequentemente citados por José Nunes e Manuel António, nas aulas de Dogma e de Moral.

Na globalidade, os professores, que leccionavam na década de sessenta, eram quase todos eles formados na Pontifícia Universidade de Roma e revelavam uma competência capaz de mobilizar os parcos recursos pedagógicos disponíveis, na altura, e que quase se limitavam aos manuais, ao quadro e a alguma bibliografia complementar. Muitos deles distinguiam-se culturalmente na sociedade angrense da então, bastante exigente na defesa e promoção da cultura. Alguns haviam publicado livros, outros escreviam para revistas e jornais, chegando um ou outro a assumir a direcção e a redacção do jornal “A União”, fazendo-o com grande qualidade e mestria. Para além de açambarcarem os púlpitos da Sé Catedral e de outras igrejas angrenses, por altura de festividades e comemorações, proferiram conferências na rádio, palestras em sessões culturais e orientavam diversas instituições e organizações sediadas em Angra, como o Instituto Açoriano de Cultura, a Cáritas, a Misericórdia, a Acção Católica, Cursos de Cristandade, Conferência Vicentina, etc. Foi um grupo de professores do Seminário que fundou o próprio Instituto Açoriano de Cultura, dando, posteriormente início à organização das Semanas de Estudo, como ontem foi referido. A um destes mestres, - José Enes - se deveu mais tarde a fundação da Universidade dos Açores, da qual também foi Reitor e professor, sendo-o também noutras universidades. Percursos notáveis, fora do Seminário, tiveram ainda outros mestres, Cunha de Oliveira, Francisco Carmo, Artur Goulart e Caetano Serpa. Outros como Caetano Tomás, José de Lima e Edmundo de Oliveira eram também  professores do Liceu de Angra.

Para a história aqui ficam, por ordem alfabética, os nomes de todos os professores do Seminário de Angra, na década de 60: Afonso Carlos Quental, Alfredo José Tavares, Américo Caetano Vieira, António Pereira da Silva, António Rogério Andrade Gomes, Artur Cunha de Oliveira, Artur Goulart de Melo Borges, Artur Pacheco Custodio, Augusto Manuel de Arruda Cabral, Caetano Valadão Serpa, Edmundo Machado de Oliveira, Francisco Borges Paim, Francisco Caetano Tomás, Francisco Carmo, Francisco Vitorino de Vasconcelos, Horácio da Silveira Noronha, Jacinto da Costa Almeida, Jaime Luís da Silveira, Jeremias Machado da Rocha Simões, José Enes Pereira Cardoso, José Machado Lourenço, José Mendonça de Lima, José Nunes, Manuel António Pimentel, Manuel Coelho de Sousa, Valentim Borges de Freitas, Vasco da Silva Castro Parreira, Weber Machado e um leigo, o dr Mário Lima, médico do Seminário e professor de Medicina Pastoral. De recordar ainda o padre António Rocha que exerceu as funções de ecónomo, o padre Martinho, capelão de São Rafael, que era confessor assíduo, assim como o padre Ivo Correia, o padre Gil Mendonça e outros.

No Seminário Menor de Ponta Delgada, durante os dois primeiros anos da sua existência urge recordar, como professores, os nomes de José de Oliveira Lopes, que exerceu o cargo de reitor, o Simão Leite de Bettencourt, Agostinho Tavares, José Franco Cabral e José Batista, pároco de São Pedro. A partir do ano lectivo de 1958/59, o reitor foi Jacinto da Costa Almeida e, alguns anos depois, Hermínio da Rocha Pontes.

Gostaria também de referenciar e homenagear aqui os monitores, tantas vezes esquecidos. Eram alunos mais velhos, que abdicavam do convívio, da convivência diária e até dos passeios com os seus colegas de curso, nalguns casos até se abstinham de usufruir do seu próprio quarto, que viviam junto dos mais pequenos, dia e noite, colaborando com os prefeitos, na formação, na educação e no acompanhamento dos mais novos. Eram jovens extraordinários, talentosos, bons alunos, que nos dispensavam uma amizade e um carinho muito grande, sendo geralmente bem mais complacentes e permissivos do que o próprio perfeito. Era sobretudo na prefeitura dos Miúdos, onde a diferença de idade entre monitor e alunos era maior, que se fazia sentir mais a sua acção terna e carinhosa. Recordo, dos dois anos que passei na prefeitura de São Luís Gonzaga: José Alvernaz Pereira de Escobar e José António Piques Garcia. Recordar também os últimos dois monitores do Seminário em 1967: Gilberto Amaral e Manuel Francisco Aguiar

E nós alunos? Durante décadas e décadas, centenas, talvez mesmo milhares de jovens de todas as ilhas rumaram a Angra a fim de encontrar no Seminário, sob a sábia competência destes e de muitos outros mestres, na procura de um saber completo e abrangente, uma formação sólida, competente e adequada que ombreava, talvez mesmo ultrapassava a dos outros seminários do país.

Na realidade, e citando o José Gabriel Ávila, no seu blogue “Escrita em Dia”: “Quem passou pelo Seminário de Angra nas décadas de 50 e de 60, ficou marcado pela abertura à cultura, à sociedade, à modernidade, e por novas ideias sociais, políticas e religiosas veiculadas por docentes formados em universidades europeias”

Foi a competência, a sabedoria, o humanismo e a dignidade destes e de outros mestres que constituíam o corpo docente do Seminário de Angra nas décadas de 50/60, os planos curriculares que eles próprios construíram, os conteúdos programáticos das disciplinas que leccionaram e as diversíssimas actividades culturais, artísticas e até de lazer em que connosco se envolviam e nas quais nos acompanhavam com dedicação, amizade e esmero, que fizeram, daquele punhado enorme de jovens açorianos que naquelas décadas procuraram este Seminário e que nela encontravam uma segunda casa e uma segunda família, aquilo que de facto hoje são. É verdade que alguns saíram ao longo do duro e sinuoso percurso de doze anos de estudo. Mas muitos outros chegaram ao fim e ordenaram-se, atingindo o objectivo primordial pelo qual haviam lutado e que constituía o sonho de qualquer simples e humilde família açoriana, na altura – ter um filho sacerdote. Muitos destes, no entanto, alguns anos mais tarde, por isto e por aquilo ou simplesmente porque quiseram, resolveram alterar o destino da sua vida. E, porque haviam armazenado, ao longo do seu percurso no Seminário, uma sólida formação, fizeram-no com dignidade, com convicção, com nobreza de carácter e de acordo com os valores humanos e morais que ao longo dos anos da sua formação haviam adquirido, embora muitos não os tenham entendido ou não os queiram ter entendido.

Seria impossível, para também os homenagear condignamente, referir aqui os nomes de todos estes “os nobres filhos da ciência ” que foram alunos mesta casa nas décadas de 50/60. Mas recordemo-los todos eles prestando-lhes a nossa homenagem, agrupando-os numa espécie de protótipo que se poderia chamar “aluno desconhecido” – onde englobo os mais simples, os mais humildes, os menos “atrevidos” culturalmente. Mas será da mais elementar justiça mencionar aqui os nomes, dos que que mais se distinguiram nas várias áreas da cultura e da sociedade açorianas, sobretudo na década de sessenta. Se algum esquecer agradecia que mo lembrassem. São eles: nas letras, Artur Goulart, Manuel Pereira, Caetano Valadão Serpa, Olegário Paz, Andrade Moniz, Álamo Oliveira, Onésimo Almeida, José Francisco Costa e Urbano Bettencourt, no jornalismo, António Rego, Clemente Cardoso, José Gabriel Ávila, Jorge Nascimento e Santos Narcíso, José Matos, na ciência Weber Machado, Frias Martins, na Sociologia Octávio Medeiros, na Pedagogia, Augusto Cabral, na Música, Armindo Borges, Emílio Porto, José Luís Rodrigues, José Piques Garcia, José Carlos Rodrigues, José Gabriel Ávila, Carlos Sousa, João Elias, António Dionísio, Bartolomeu Dutra e Manuel Azevedo, no dirigismo desportivo Manuel Faria de Castro, na Teologia José Nunes, Rogério Gomes, Manuel António Pimentel, Vasco Parreira, Laudalino Moniz, José Constância, e Ângelo Valadão, na Filosofia Cipriano Franco, na política Emílio Porto, Manuel Serpa, José Adriano Borges Carvalho, Jorge Nascimento e Manuel Azevedo, Sá Couto, na sociedade e no ensino João Esaul, Eduardo San-Bento, João Carlos Carreiro, José Augusto Borges, Gualter Dâmaso, Heriberto Brasil, Manuel Francisco Aguiar e Manuel Tomás e ainda a exercerem o sacerdócio, na diocese de Angra, Agostinho Barreiro, Fernando Teixeira, Daniel Correia, Pedro Lima, Abílio Morais, José Alvernaz, Aurélio Nóia, José Carlos Simplício, Machado Alves, Garcia da Silveira, João Luciano, João de Brito Meneses, António Varão e Abel Nóia, Francisco Dolores, João Maria Vieira Brum, e Agostinho de Sousa Lima, na de Santarém João de Brito Costa, nos Estados Unidos, Victor Vieira, Ivo Rocha, Gastão Altino, recentemente agraciado com o título de Monsenhor e no Brasil, José Francisco Correia. Muitos outros se distinguiram, sobretudo no ensino e na gestão bancária, com destaque, nesta área, o Noé Carvalho, António Manuel Carvalho e o Duarte Miranda. Na realidade seria extenso enumerar todos os outros nomes, não só das décadas de 50 e 60, mas também os que ao longo das outras épocas, durante 150 anos engrandeceram e honraram o Seminário de Angra, através da formação académica ali obtida e que singraram com êxitos assinaláveis nos mais diversos âmbitos das letras, das artes, da ciência, da cultura e da religião.

Finalmente julgo não dever terminar esta homenagem, sem referir aos que embora não sendo professores, nem alunos, partilhavam connosco, nalguns casos dia e noite, esta casa: os empregados. Na globalidade eram homens bons, amigos, dedicados à causa que serviam. Gostaria de destacar aqueles de que lembro melhor e que aqui permaneceram durante mais anos. Em primeiro lugar o Tomé, homem simples, generoso, sempre solícito a ajudar-nos e a fazer tudo por nós. Sempre de vassoura e apanhador nas mãos quando em casa, acompanhava-nos sempre nos passeios grandes, responsabilizando-se pelo transporte das refeições. O Tomé não tinha família. A sua família éramos nós. O sr Julinho que mais tarde veio ajudá-los nas limpezas. O porteiro sr José Natal, mais tarde deslocado para o Seminário de Ponta Delgada e substituído pelo sr Vargas, o cozinheiro, Sr António, natural da Graciosa, que nos brindava às segundas-feiras com um excelente feijão assado e muitos outros, com destaque para um grupo de religiosas que tomaram conta da alimentação e limpeza do Seminário, nos finais da década de cinquenta e da Senhora Maria, a primeira mulher a trabalhar no Seminário.

E termino este o meu pequeno e modesto contributo de homenagem aos alunos, aos professores e, sobretudo, à instituição o Seminário de Angra. É esta a minha mensagem de gratidão para com todos os professores, de quem guardo melhores recordações. É esta a minha solidariedade estima por quantos, como eu foram alunos e se formaram nesta casa.

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