PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
HOMENAGEM E GRATIDÃO
O vento soprava, fortíssimo, de noroeste e entrava pela pequena baía, ornada de molhes e pontões, agitando e revoltando o mar, lançando-o, abruptamente, sobre os baixios negros, crispando-o em ondas altíssimas, temerosas e inquietantes, apesar de deslumbrantemente encantadoras. O Faial, mesmo em frente, bocejava um nevoeiro sombrio e relutante e soluçava murmúrios de um dolente e aflitivo isolamento. São Jorge, apesar de não muito longe, nem se via. Apenas o Pico se firmava muito alto, esguio, sereno e constante, escarrapachado sobre o oceano, a simular uma enorme pirâmide entontecida. A Madalena, alheando-se a ventos e maresias, desfazendo o seu marasmo habitual, erguendo-se em apoteóticos alentos, como que se engalanava, emocional e emotivamente, para prestar uma simples mas sentida homenagem e manifestar o seu profundo agradecimento, àquela que foi a pioneira da criação e do desenvolvimento do ensino preparatório e secundário, na mais jovem vila da ilha montanha, nas últimas décadas do século passado – Cecília Amaral. Os picoenses e os madalenenses em particular souberam antanho e ainda sabem hoje, melhor do que ninguém, neste caso pela voz do seu presidente, José António Soares, que a gratidão é um dos mais belos sentimentos que o ser humano tem o dever de manifestar e que o acto de agradecer é um valor, uma espécie de trunfo de que disfrutam para selar o mérito, a competência, o trabalho e, sobretudo, a dedicação de quem se entrega, total e dedicadamente, ao serviço dos outros, ali, na ilha. E quando todo um tão vasto e cristalino acervo vivencial, como o da homenageada, circum-navega em prol da educação e da formação humana, as loas ao mérito e as gratulações de reconhecimento pelo trabalho realizado e pela dedicação empreendida, mais do que um dever, são uma imposição. A simplicidade, a doçura, o encanto, a simpatia, a sinceridade e amizade verdadeira que sempre pautaram o quotidiano de Cecília Amaral engrossaram a vontade de estar presente, de comungar um momento de enlevo, de partilhar um acto de homenagem e agradecimento. Assim o entenderam a vila, o Concelho e a Câmara Municipal da Madalena do Pico, juntamente com um bom número de populares – a maioria antigos alunos, alguns professores, misturados com dois resistentes dos inícios da década de setenta - quando no passado dia 8 de Março – dia da mulher e 290º aniversário da criação do Concelho da Madalena – se juntaram num acto de homenagem e gratidão, no bairro do Granel, ali nos arrabaldes do Centro de Saúde, recordando, agradecendo, preiteando e perpetuando a memória, gravando-lhe o nome no basalto negro duma rua.
Na realidade, Cecília Amaral tem o seu percurso pedagógico radicalmente acorrentado à implementação e ao desenvolvimento do ensino, não apenas na Madalena mas na ilha do Pico. Leccionando, no início do seu percurso pedagógico, como professora do então chamado ensino Primário, nas escolas da Candelária e da Criação Velha, a partir de meados da década de cinquenta iniciou, em sua casa, o acompanhamento pedagógico de um bom punhado de alunos, preparando-os para os exames de admissão ao Liceu. Mais tarde, estendeu, progressivamente, as suas explicações a muitos dos alunos que, na altura, se auto propunham fazer exames liceais.
Na segunda metade da década de sessenta e face ao crescente número de alunos que a procuravam e porque na ilha não havia nenhuma escola oficial ou particular, nem do ensino preparatório nem do secundário e as ofertas de disponibilidade de ensino muito reduzidas, sendo os alunos do Pico obrigados a se deslocarem para o Faial, simplesmente para tirar o segundo ou o quinto ano, Cecília Amaral alargou a sua actividade docente, em conjunto com outros colegas e amigos professores, utilizando espaços públicos da vila e até casas particulares. Eram os primórdios da criação e instituição do ensino na vila da Madalena, obstando a que milhares de alunos interrompessem os estudos após a conclusão do ensino primário e impedindo muitos outros de se descolarem para a ilha vizinha ou para paragens mais longínquas.
No início dos anos setenta e porque o número de alunos se agigantava, Cecília Amaral, sentindo a necessidade de instalações próprias, lançou-se, sem apoios e a suas expensas, na construção do edifício onde durante décadas funcionou o Externato Particular da Madalena e onde actualmente funciona a Escola Profissional. O Externato então criado, manteve-se em actividade, como única escola dos ensinos preparatório e secundário, no concelho da Madalena, até quase ao fim do século passado, altura em foi criada a Escola Cardeal Costa Nunes.
Mas Cecília Amaral não pautou a sua vida, apenas pela docência. Desenvolveu, juntamente com o marido e outros familiares, uma importante actividade a nível empresarial, com incidência, nas áreas do comércio e dos transportes.
A Assembleia Regional dos Açores, já lhe havia reconhecido o mérito, entregando-lhe, no dia da Região, a insígnia honorífica de mérito, considerando-a, na actualidade, como uma das mais importantes personalidades da ilha do Pico.