PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
INTRIGAS
Iluminata aguardava, ansiosa, novas de seu amo. Deu-lhas Gemildo:
- Vosso estimado esposo, o meu amo e alcaide deste castelo não regressará, tão cedo a Trancoso. A moirama voltou a atacar e não desarma. Muitas das praças que havíamos conquistado, para além de Coimbra e Leiria, foram tomadas pelos mouros. D. Afonso Henriques, está para Zamora e não pode deslocar-se para o sul. Pretende reunir-se com o rei de Leão, para que este o reconheça definitivamente como rei e Portugal como reino independente Estará para breve a assinatura de um tratado para que tal determinação perdure pelos séculos dos séculos. El-rei e nosso senhor entregou a defesa da fronteira ao vosso esposo, o valoroso D. Paio de Farroncóbias, que por essa razão não pode regressar a Trancoso para vos ver e abraçar. Mandou-me a mim, com uma companhia de besteiros para vos trazer novas. Pelo caminho, porém fomos atacados pela moirama e um dos nossos homens ficou ferido. Mas por vontade de Deus Nosso senhor e intercessão de um dos seus servos, Joahannes Beltrasanas, a cujo enterro assistimos, foi curado.
Iluminata ao ouvir o nome de Beltrasanas tremeu. Interrogando o lugar-tenente se, não estaria em sua companhia um jovem discípulo do servo de Deus, de nome Banaboião, do qual queria saber novas.
Gemildo respondeu que fora Banaboião que aconselhara o guerreiro e o acompanhara ao túmulo do santinho, enchendo-lhe o peito de fé. Como Iluminata persistisse em saber mais notícias e o interrogasse contínua e persistentemente sobre Banaboião e manifestasse mais interesse em saber mais novas acerca dele do que do seu esposo D. Paio de Farroncóbias, Gemildo percebeu que um sentimento estranho trespassava o coração de Iluminata. Cuidando ele que estando Iluminata tanto tempo longe e afastada de seu esposo se teria aventurado em andanças amorosas que de contrário não indagaria tão pertinazmente sobre um estranho, decidiu ele aventurar-se amorosamente com a esposa de seu amo, senhora de Cangas e Freixomil, atirando-se a ela como Santiago aos mouros.
Iluminata ripostou radicalmente as exigências de Gemildo e repudiou-o gravosamente jurando por sua honra logo ali enviar emissários que informassem D. Paio dos vis intentos de seu servo, para que fosse ele dar-lhe a merecida paga. O tredo Gemildo não se deu por vencido e perante damas, lacaios e criados do castelo, denunciou Iluminata, movendo contra ela a mais insidiosa calúnia, acusando-a de ter sido infiel para com o seu valoroso e nobre esposo o ilustre fronteiro, D. Paio de Farroncóbias, que combatia em terras das Beiras, com um tal Banaboião. De imediato mandou emissários a D. Paio a informá-lo de tão grande indignidade e tão vil afrontamento.
D. Paio de Farroncóbias recebeu a notícia do adultério da esposa com enorme dor, raiva e ódio. Apenas ouvindo o acusador, jurou vingar-se. Ao vil tredo que havia beliscado a sua honra, lavrou trágica sentença:
- Banaboião, filho de Pero Fogaça e de Aldonça, em casa de quem pernoitei no regresso de Ourique, será chicoteado 47 vezes, publicamente e enforcado, para que todos saibam quanta ofensa constituiu tal afronta e conheçam o que acontece aos traidores que ofendam a honra e a dignidade de D. Paio de Farroncóbias, que combateu ao lado de El-rei D. Afonso Henriques, alcaide de Trancoso, fronteiro de El-rei, portador de vinte gilvazes e balsão.
Por sua vez, para a impúdica, adúltera e ingrata esposa, Iluminata, D. Paio decretou:
- Será imediatamente enviada para uma gafaria, na ilha dos leprosos, tendo apenas o direito levar consigo um baú com a roupa necessária e um punhal para se defender, caso seja atacada opor algum leproso.
Pouco depois o honrado e nobre fronteiro seguiu, por ordens de Afonso Henriques, para o Alentejo à conquista de Beja.
Fonte – Aquilino Ribeiro, São Bonaboião Anacoreta e Mártir.