PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
LAMÚRIAS
O Justino e o Alípio chegaram a casa muito cansados, mas, cmo sempre, dispostos a queixarem-se ao pais, das estroinices do rebento mais novo.. Foice aos ombros, cordas a tiracolo e bordão na mão, foi o Alípio a anunciar:
- Pai, a Cabaceira ficou pronta, os feitos estão todos cortados.
- E também ceifaram a canarroca da belga do lado do Caminho Velho como vos mandei?
Agora foi o Justino, sempre mais atrasado, a esclarecer;
- Também ficou toda cortada. Ficou tudo pronto como pai mandou. E ainda cortámos umas faeiras que estavam lá muito bastas, por entre os inhames… p’ra lenha.
- E separaram a canarroca dos feitos? É que o outro dia, na Cancelinha, vocês misturaram tudo e depois foi o cabo dos trabalhos… Não viram o vosso irmão?
-Ele ainda não chegou do Outeiro Grande, de levar as vacas do Luís? - Insistiu o Justino.
- Claro que não chegou. Estás a vê-lo? Ele vai e vem é a brincar. Agora tem a mania de levar uma aguilhada e diz que vai tocando as suas vacas. Fala com elas e tudo, o palerma. – acrescentava o Justino ao mesmo tempo que tira um bocado de pão de cima da mesa, comendo-o com sofreguidão..
Logo a irmã, batendo-lhe na mão, ordenava, recriminando:
- Está quieto! Tens mais pressa do que os outros?
- Não mandas em mim! – ripostava o Alípio, comendo o pão e continuando o chorrilho de queixas contra o irmão - O José Coutinho contou-me que o viu o outro dia: quando vem a descer o Covão, faz de conta que vem a tocar a Moirata e o Damasco, encangados, puxando um carro de incensos. Depois, de vez em quando para e põe-se de cócoras, a fazer de conta que está apertar ou alargar, os parafusos dos queicões. Parece um toleirão!
- É mesmo tolo! – acrescentava o Justino. - Precisava era duns toitições bem dados. Quando não vai ao Outeiro Grande é só brincar: é com a ovelha, é com vacas de madeira, é de baixo do estaleiro a fazer que está a lavrar…. Passa a vida a brincar e nós…
E como se isso não bastasse para encher os ouvidos do progenitor a própria irmã atirava mais lenha para a fogueira.
- E está sempre a fugir para ir brincar com os amigos à pesca da baleia, ao pai-velho e sei lá o quê… O que sei é que nunca pára em casa…
O pai, em vez de se revoltar, bem os tentava acalmar;
- Ele ainda é uma criança. É muito mais novo do que vocês.
E logo o Justino:
-É muito novo mas já anda a fazer das suas… O Paulino já me disse que ele lhe abriu o portal da relva da Ladeira, para passar com a ovelha e depois pôs-se a andar e não o tapou.
- E o Delfim diz que ele lhe atira pedras às ovelhas. E elas têm crias…
-E demora uma manhã para ir levar as vacas e uma tarde para as ir buscar. E eu é que tenho que ir buscar a água à fonte, acartar lenha e deitar comida às galinhas… Fazer tudo…
- Ele podia bem pegar numa foice e ir connosco… Podia ir ajudar-nos a ceifar feitos. Ou pelo menos ir atrás de nós fazendo as mancheias. A gente a ceifar e ele a fazer as mancheias era muito mais rápido.
- E podia andar mais depressa… Meia hora dá para ir e vir ao Outeiro Grande…
- E o primo Luís diz que ele sobe o Covão agarrado ao rabo das vacas e a bater-lhes desalmadamente.
- Elas andam que se fartam. Não há vacas na Fajã que subam o Covão tão depressa como as do primo Luís e foi ele que as pôs assim. E a Trigueira deu leite há bem pouco tempo.
Por fim foi a Amélia que suplicou;
- Pai tem que por cobro nisto!... Venham para a mesa que o pão e o queijo já estão partidos. Não vale a pena esperar por ele. Quem não está não come.
E sentaram-se à mesa, saboreando uma boa sopa de feijão, com um pequeno naco de toucinho.