PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
LAPAS
Tanto no continente português como nas ilhas dos Açores e da Madeira podem-se encontrar várias espécies de lapas, povoando abundantemente as áreas rochosas da maioria das nossas costas marítimas.
As lapas são moluscos gastrópodes com o corpo protegido por uma concha, no caso das lapas mais simples, contrariamente à maioria dos seus congéneres, que, regra geral encerram o corpo dentro de duas conchas. As lapas alimentam-se de algas. É sobretudo na maré-baixa, ou na maré vazia que se podem ver as lapas rijamente coladas às rochas. Esta estranha força da natureza impressionava tanto os humanos que, para explicar que alguém se agarrava muito a algo, quer a um bem material, quer a um sentimento, dizia-se, na Fajã Grande que estava agarrado como lapa à pedra. Só com um valente facão e uma pancada célere e certeira se conseguiam descolar as lapas dos calhaus a que se agarravam. Quando aderem às rochas, sobretudo depois de serem tocadas por outro ser vivo, é muito difícil removê-los através de força bruta. Caso alguém tente retirá-las dessa maneira, é mais provável que o espécime seja destruído que removido. Apesar de tamanha resistência à remoção, as lapas podem se locomover facilmente através de movimentos ondulados.
Também, contrariamente a outros gastrópodes, as lapas têm apenas uma concha e parecem imóveis, alheados ao vaivém das ondas. O que não se vê, quando se olha para um destes moluscos, são os seus dentes que raspam continuamente as algas com que se alimentam nas rochas onde vivem e é por isso que têm o seu habitat à beira mar sobre as pedras do baixio ou em pequenas profundidades rochosas, sobretudo no nordeste do Oceano Atlântico e no Mar Mediterrâneo. Entre seus predadores, para além dos humanos, estão estrelas-do-mar, aves marinhas, peixes e mamíferos aquáticos, como focas. As lapas possuem diversas defesas contra esses animais: podem fugir, aderir à rocha etc.
Algumas das espécies de lapas são um marisco muito apreciado nos Açores, Madeira e Canárias, sendo consumidas em cru, grelhadas nas respetivas conchas ou em diversos tipos de confeções culinárias, com destaque para o molho Afonso.
Nos Açores, assim como na Madeira, Cabo Verde e Canárias existem duas espécies de lapas, vulgarmente designadas por lapa-brava e lapa-mansa. Ainda hoje, pese embora comecem a rarear, as lapas são um dos petiscos mais apreciados em todas as ilhas açorianas.
Na Fajã Grande, na década de cinquenta as lapas tinham um papel importante, como conduto, na alimentação das pessoas. Nesses tempos era costume alguns homens assim como muitas mulheres irem às lapas, sobretudo nos dias de mar manso e em que não havia outro conduto. As lapas embora não fossem um marisco muito apreciado quanto o são atualmente, eram muito abundantes. Tanto os que ficavam mais perto do mar como os que ficavam mais distantes, se não havia outro conduto para comer com o bolo ou o pão de milho davam um saltinho sobretudo ao Canto do Areal e, em menos de uma hora, toda a família tinha uma refeição que era um consolo.
Ora como na Fajã Grande, regra geral, competia às mulheres desenrascarem-se, em termos de refeições, não apenas no que à sua confeção dizia respeito mas também no arranjo e, por vezes, na própria invenção dos produtos que haviam de cozinhar, tarefa nada fácil, devido à escassez de meios. É que sendo elas a ter que as confecionar, era também a elas que competia arranjar os ingredientes, e estes, na maioria das casas, rareavam, por isso, recorriam muitas à apanha das lapas. Munidas de um saco e um facão, pernas ao léu, esperavam pela descida da maré e lá iam, geralmente para os lados do Canto do Areal, a fim de evitarem os mirones, a espreitar uma nica de perna que fosse, por baixo duma saia que se levantava para evitar ser encharcada com a vinda de uma onda mais afoita. Sabendo o perigo que corriam ou podiam correr, geralmente, iam aos pares ou em grupo, limitando-se por regra à apanha das lapas mais longe das profundezas do mar do mar e que, geralmente, eram mansas e muito miudinhas.
Ao chegar a casa guisavam-nas de várias formas, com pedacinhos de pão de milho ou sobretudo em tortas de ovos. Mas também se comiam cruas, embora raramente.