PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
LIZARDA
“Lizarda” é mais um dos vários rimances que fazem parte do património cultural da Fajã Grande. Foi recolhido pelo poeta, crítico literário e investigador Pedro da Silveira, que o publicou no nº 7 da “Revista Lusitana” (Nova Série), em 1986. Este e outros poemas romanceados eram contados oralmente aos serões pelos nossos avós e por outras pessoas mis velhas. Assim se foram transmitindo de geração em geração, pelo menos até à década de cinquenta, altura em que ainda se ouviam com alguma frequência. Pedro da Silveira recolheu “Lizarda” através da declamação do mesmo pela senhora Maria Fernandes Rodrigues, com cerca de setenta anos, que morava na rua das Courelas e era a madrinha da minha mãe, no longínquo Verão de 1942. Segundo o testemunho de Pedro da Silveira, a Senhora Fernandes ter-lhe-á dito que a trova estava incompleta mas já não era capaz de a declamar melhor. Mais acrescentou que a aprendera com uma sua tia, já falecida. Rezava assim o referido rimance:
“No jardim do seu recreio, passeava uma donzela,
Tão Linda como engraçada, mais linda do que as flores belas.
O seu nome era Lizarda, única filha herdeira,
Filha do rei d’Aragão, por ser da casa primeira.
Seus desvelos e cuidados era um jardim de flores,
Que até ali nã cudara que havia deus dos amores.
Retirou-se para outras quintas, suas aias divertia;
Com conversas de cristal, alegre passava o dia.
Naquele monte sobranceira, um príncipe à caça andava.
Lizarda lhe pôs os olhos, tão simples como inocente,
Logo com seta de amor seu peito ferido sente.
«Vem cá, minha rica ama, descreta entre as demas flores,
Vai-me saber daquele homem, se ele morre dos meus amores.»
«Senhora ama e prioresa, isso à minha conta fica,
Mas recolha-se Vossa Alteza, recolha-se que nã convém
Arriscar a sua vida por amor dum querer bem.»
«Daquele monte sobranceiro, mirando este jardim
Eu vi estar uma flor que parecia um jasmim.»
«Essa flor, que voz deseja, ela mora aqui, Alteza,
É deste jardim senhora, é deste reino princesa.»
«Tu estás cá, amante, minha feição adorada?»
«Eu estou cá, luz dos meus olhos, minha rica prenda amada.»
«Dá-me cá esses teus braços que eu neles me quero ver,
Quero aparcar este fogo que em meu peito sinto arder.»
«Toma lá estes meus braços, também o meu coração;
Também podeis aceitar por esposa a minha mão.»
«Adeus aias e criadas, minhas aulas ajuntai,
Que eu pretendo, esta noite, sem demoras me ausentar.
Adeus aias e criadas, adeus jardim, adeus flores,
Que eu pretendo, esta noite, ir com o deus dos amores.
Adeus pai da minha alma, adeus mãe da minha vida,
Que tão má paga vos deu, vossa prenda mais querida.»”