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MEMÓRIAS DAS CAMPAINHAS DAS VACAS

Quarta-feira, 26.10.16

Muitas das minhas lembranças de infância estão relacionadas com as campainhas das vacas, utilizadas por quase todos os criadores de gado da Fajã Grande, à altura. Eu adorava campainhas. Fascinavam-me de tal modo que até parece terem exercido um estranho e mágico poder sobre mim quando criança. Adorava-as todas, o seu toque sublime e diversificado, a sua forma, o seu brilho, a sua beleza singela e singular. Destacavam-se as das vacas do senhor Gil e as de meu avô, não apenas porque em forma de sino mas também porque muito grandes e de um toque belíssimo. Distinguiam-se também pela sua heterogeneidade, pelo seu brilho e cintilação, pelos sons dulcificados e inconfundíveis que até parecia dignificarem o animal que as utilizava. Eram afinadas no toque, retiniam quando prolongadamente badaladas e deslumbravam de encantamento.

Eu adorava também todas as outras campainhas, as de meia laranja, amarelas como ouro, com sons maravilhosos e diversificados mas sempre harmoniosamente conjugados, como se fossem os acordes duma partitura. Tlim… Tlom… Tlim… Tlom! Meu pai que tinha apenas duas vacas tinha só duas campainhas, as quais apesar de diferentes no tamanho também tinham um som harmónico e concertado. Por vezes, quando o estrape de uma rebentava, antes que meu pai o consertasse, eu aproveitava para me deliciar porque ele deixava-me tirar a campainha do pescoço da vaca pegar-lhe por algum tempo, badalá-la junto ao ouvido e ouvir não apenas o seu toque sublime mas também o eco dos seus sons sibilantes. Eu sabia que eram feitas de metal e não de ouro como a sua aparência brilhante fazia supor.

O mesmo acontecia com os chocalhos e os guizos ou até com as brutas campainhas que as vacas leiteiras usavam no mato, que eram feitas de latão e que, por isso, não tinham, nem de perto nem de longe, um som harmonioso com as outras. Destinavam-se apenas a que os ordenhadores encontrassem mais facilmente os animais em dias de nevoeiro. Talvez fossem de bronze como os sinos da igreja as campainhas das vacas que eu tanto adorava na minha infância, pese embora meu pai tivesse duas de alumínio que usava nos bezerros e que, quanto ao som que emitiam, pareciam verdadeiras canas rachadas. Adorava era as campainhas de metal, de bronze. A própria palavra “bronze” me parecia soar como um gigantesco sino que se partia aos bocadinhos para dele se fazerem as campainhas.

O meu fascínio por campainhas era tal que eu próprio fabricava as campainhas para as vacas que imaginava possuir. E tinha uma boa coleção. Eram fabricadas a partir das tampas das cervejas ou das laranjadas. Umas e outras, nos tempos da minha infância, eram feitas de metal e não tinham nenhuma inscrição ou desenho, que lhes obliterasse o som metálico. Lisinhas e brancas, apenas tinham por dentro, no fundo uma pequena pelicula de cortiça ou de borracha que, facilmente retirava com a ponta de uma navalha. Depois, com um prego dava-lhe dois furinhos ao meio, um perto do outro, através dos quais fazia passar um cordel. A este cordel, na parte interior, amarrava um pequeno prego retorcido, fazendo de badalo. Na parte superior ia alongando ou encurtando o cordel de forma que o badalo se movimentasse e batesse nas bordas da tampa, produzindo o som desejado.

Que bem que tocavam as minhas campainhas, as campainhas da minha infância, feitas de tampas de cerveja ou de laranjada!

 

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publicado por picodavigia2 às 00:05





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