PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MOINHOS DE TREMOÇO
O tremoço não é propriamente uma planta mas sim a semente de uma planta, designada por tremoceiro, embora, geralmente, se use a palavra tremoço para significar também a planta que o produz. A cultura do tremoceiro era muito frequente na Fajã Grande na década de cinquenta, sendo o tremoço utilizado com duas funções. Por um lado era utilizado como alternativa às forrageiras, servindo, nesse caso, de alimento apenas ao gado alfeiro. Para as vacas leiteiras a planta do tremoço era um fraco e mau alimento, por quanto fortalecia-as pouco e, sobretudo, porque provocava um sabor muito amargo e desagradável no leite. A outra razão porque se apostava, neste caso em larga escala, no cultivo do tremoço, era para utilizá-lo como adubo, em vez do estrume, sobretudo por ser mais prático, pois não era necessário acarretá-lo para as terras, como acontecia com o esterco ou o sargaço, uma vez que adubava a própria terra que o produzia. Cortado aos pedaços ainda em verde, o tremoço era estraçalhado e depois colocado e acalcado no fundo dos regos, ao lado de sementes e plantações. Acreditava-se que, devido ao azoto que possuía, o caule e sobretudo as folhas do tremoceiro tinham a vantagem de purificar os terrenos, enriquecendo-os para as culturas seguintes, nomeadamente da batata branca e da doce. Neste caso o tremoceiro era cultivado, unicamente para sideração e enterrava-se, geralmente, em regos feitos com o arado ou, excepcionalmente e em campos minúsculos, em covas feitas com a enxada, quando as plantas já estavam suficientemente crescidas. O objectivo era adubar e enriquecer o solo com substâncias orgânicas. Apesar de rico em proteínas, o tremoço muito raramente era empregado como forragem, devido ao seu sabor amargo.
O tremoceiro era plantado no Outono e, geralmente, a chuva encarregava-se de regá-lo, pois exige bastante água, sendo necessário recorrer à rega manual quando a planta secasse, embora na Fajã Grande nunca tal fosse necessário, uma vez que entre Outubro e Março, altura em que o tremoço florescia, as chuvas não rareavam. A colheita do tremoço era feita, geralmente, em Março. Costumava dizer-se que “.Cada cavadela, cada tremoço”, o que demonstra a facilidade do cultivo do tremoço e a sua importância em épocas anteriores.
Na Fajã Grande não era costume, como acontece em muitos locais do país, utilizar a semente do tremoceiro como alimento, nem muito menos como “petisco”. Assim, guardava-se, apenas, uma pequena parte do tremoço para amadurecer e dar fruto, sendo este destinado à semente.
Era nesta altura que se faziam os célebres moinhos de tremoço. Para a construção dos moinhos, todo o material era retirado do tremoceiro, excepto um alfinete de cabeça ou uma comprida e fina tacha, de que nos devíamos munir previamente. Depois era apenas construir o moinho. Para tal procurava-se uma das vagens maiores. Encontrada a mais conveniente e adequada, era necessário abri-la com muito cuidado, sobretudo para não a quebrar. Escolhiam-se dois grãos robustos e achatados, os quais eram perfurados ao meio com o alfinete de cabeça ou prego fino. Quem não os tinha pedia um emprestado, furava com ele o seu material e utilizava um pedacinho de madeira, o mais rija possível. Do mesmo modo se furava uma das cascas, mas o furo deveria ser dado rigorosamente no centro da mesma. Procurava-se, de seguida um caule do tremoceiro, do qual se retiravam todas as folhas e vagens, cortando-se-lhe a raiz. Junto à cabeça do alfinete enfiava-se um grão de tremoço, de seguida a folha e depois o outro grão, deixando uma pequena folga entre os grãos e a folha. Por fim, espetava-se o alfinete no caule do tremoço. Estava o moinho pronto, bastando para que girasse, colocá-lo contra ao vento.
Por altura da apanha do tremoço, as paredes e os recantos das terras onde ele se cultivara, se houvesse crianças, estavam crivadas de pequenos moinhos a girar com uma velocidade impressionante. Outras vezes eram as ruas repletas de crianças a correr empunhando os respectivos moinhos.