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NAUFRAGIOS

Sábado, 14.06.14

É deveras impressionante o número de naufrágios que, sobretudo no século XIX, ocorreram na ilha das Flores, com particular incidência na sua costa oeste, a fronteira virtual com o continente americano, na qual se inclui, naturalmente, o ilhéu do Monchique, o ponto mais ocidental da Europa. De facto, por todo o litoral da ilha são visíveis vestígios e lembranças de naufrágios, não tanto materiais mas, sobretudo, toponímicos.

Apesar do desfortúnio que os naufrágios significavam para as suas vítimas, muitas das quais morriam, a população da ilha tirou alguns dividendos dos mesmos. Sabe-se que, por essa altura muitas casas da ilha podiam, com toda a propriedade, ser comparadas a “verdadeiros cemitérios marítimos, onde tudo, desde a madeira aos candeeiros, desde a ferramenta aos enfeites, provinha de barcos naufragados”. Na Fajã Grande havia casas com portas recolhidas de naufrágios, assim como camas e outras mobílias.

Um dos maiores naufrágios ocorridos na Fajã foi o da barca francesa Bidart, encalhada em 1915, com 22 tripulantes a bordo, um dos quais morrera na véspera vítima de escorbuto, mas que ainda não fora sepultado no mar Morreram vários, estando alguns sepultados no cemitério da Fajã Grande. Seis, dos 12 tripulantes que trazia a barca italiana Severo, naufragada em 1882, na Lomba, também, faleceram quando esta embateu nos baixios das Flores. Como estes, faleceram muitos outros homens, vítimas mar, sendo que os corpos de alguns nunca foram encontrados. Mas como muitas das de naufrágios, de embarcações acidentadas, que transportavam essencialmente mercadorias. Mas verdade é que os naufrágios sempre constituíram, para a população da ilha, um beneficio, uma vez que eram uma oportunidade suplementar de rendimento, desde que conseguissem chegar primeiro que as autoridades fiscais e arrecadar os mais diversos produtos.

O Natal de 1869 foi célebre para a população da nova freguesia da Fajã Grande! É que, precisamente, no dia 25 de Dezembro desse ano, nos baixios da Coalheira, carregada de açúcar mascavado, um sabor de muitos ainda desconhecido na ilha, e de aguardente, a barca francesa Republique, que o povo logo invadiu, levando tanto açúcar quanto pôde, numa abundância tal que, nas semanas seguintes, até com açúcar se temperaram caldos de couves.

Foram os grandes carregamentos de madeira de pinho resinoso que, de forma mais visível, ajudaram a perpetuar a memória, um pouco por toda a ilha, de algumas dessas já longínquas tragédias marítimas. Pela sua dimensão, o antigo Hospital de Santa Cruz e as Igrejas da Lomba, Ponta da Fajã Grande, Fazenda e Fazenda de Santa Cruz relevam entre as várias obras cujas construções foram essencialmente alimentadas, nas suas mais exigentes necessidades em madeiras nobres, que deram à costa, provenientes de naufrágios, como o da galera Ocean, na Fajãzinha, em Maio de 1876, e da barca Brillant, na Quebrada Nova, em Fevereiro de 1899. Com 180 passageiros e tripulantes, antecipadamente, postos a salvo, em terra, a vila das Lajes das Flores assistiu, nos primeiros dias de Março de 1727, ao afundamento do galeão Nossa Senhora das Angústias e São José, que, rebentadas as amarras e levado para o alto mar, ali foi a pique com quase toda a sua preciosa carga, uma parte do espólio anual de ouro e prata das minas do México e de Potosí, na Bolívia. Em sinal de reconhecimento por se terem salvo, dois desses espanhóis fizeram edificar a Capela de Nossa Senhora das Angústias. A história trágico-marítima nas Flores regista, como últimos grandes naufrágios, o encalhe do paquete holandês Prins der Nederlanden, em Agosto de 1966, na Pedra dos Morros, de onde só muito a custo foi rebocado, e o naufrágio do Papadiamandis, um cargueiro liberiano, de mais de 14 mil toneladas, perdido na Fajã Grande, em Dezembro de 1965.

A quase já cem anos de distância, é o naufrágio do Slavonia, que constitui o maior e mais trágico naufrágio ocorrido nas Flores e ainda hoje, continua presente no imaginário de muitos florentinos, numa memória que lhes é avivada, no Museu das Flores. O papa Pio X, em sinal de gratidão pelo acolhimento que as gentes da ilha haviam dispensado às 597 pessoas que o Slavonia transportava entre Nova Iorque e o porto italiano de Trieste, ofereceu um cálice de prata à Igreja Matriz de Lajes das Flores.

 

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publicado por picodavigia2 às 20:50





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