PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
NOVEMBRO (DIÁRIO DE TI ANTONHO)
Para mim este mês de novembro é um dos mais tristes do ano. Nunca me agradou lá grande coisa. Para além de ser um mês em que os campos estão quase desertos e muito pouco produzem é um mês escuro, desolado e muito triste. Não há flores nem frutos, a não ser as castanhas, e as folhas das árvores tornam-se amareladas e caem. Novembro é também o mês durante o qual na igreja da nossa freguesia se celebram as novenas das almas, durante as quais se reza e se recordam todos os mortos desta freguesia desde do cimo da Assomada até ao fim da Via d’Água. Todos os dias o nosso pároco invoca os defuntos de todas as casas, uma por uma…
O mês de novembro é pois um mês de luto e de tristeza. Quando eu era criança até me assustava ao ver, à noite, na nossa igreja muito escura, aquele cadafalso coberto com um pano negro, debruado a amarelo. O pároco durante as cerimónias também se vestia com paramentos pretos, assim como o povo vestia roupas escuras, sobretudo os mais velhos. Tudo na igreja estava envolto num ambiente fúnebre e sinistro, que causava susto às crianças e contribuía para a tristeza que se estampava nos rostos dos adultos. Além disso todos os dias, à noite, a fim de chamar o povo para as novenas e orações, os sinos da igreja dobravam a finados, como se tivesse morrido alguém. Diziam os nossos avós que era o enterro do velho Laranjinho.
Durante as novenas, umas vezes em português outras lá nos arrevesados latins, o pároco só falava do inferno e das penas que lá havíamos de sofrer se morrêssemos em pecado. Que susto e que tormento!
- “Libera animus omnium fidelium defunctorum de poenis inferni. – Proclamava nos latins. E acrescentava - Requiescant in pacem! Ao que o respondia o povo:
- Amen!
Outras vezes terminando o sermão, o pároco dizia em português:
- Livrai as nossas almas das fauces do leão, não as engula o abismo e não caiam nas profundezas tenebrosas do inferno”.
Na Fajã Grande sempre houve uma devoção muito grande às almas do Purgatório. Para além de se recordarem com sufrágios e orações especiais durante este mês que lhes era dedicado, todas as casas, no dia da matança do porco, guardavam a língua e traziam-na para a igreja, a fim de ser arrematada. Com o dinheiro de todas as línguas o mordomo das almas mandava celebrar missas por todos os defuntos da freguesia. No dia um era feita uma derrama pela freguesia, na qual se juntavam sacos e sacos de milho, cujo dinheiro da venda tinha o mesmo fim.
Por tudo isto é que este mês de novembro era um mês especial dedicado particularmente aos fiéis defuntos. Mas muito, muito triste!