PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O ARADO DE FERRO
Na Fajã Grande, na década de cinquenta eram usados dois tipos de arados: o arado de pau e o arado de ferro. O primeiro tinha duas importantes funções. Por um lado servia para atalhar a terra depois de lavrada e antes das semeaduras e, por outro, era utilizado para abrir os regos para semear o milho, sendo a terra sempre alisada com a grade, antes e depois de cada uma destas operações. Por sua vez, o arado de ferro, apesar de mais robusto, pesado e potente e de a sua aquisição ser bem mais dispendiosa, tinha, praticamente, uma função: lavrar a terra pela primeira vez, ou seja rasgá-la o mais profundamente possível, revirando as leivas, provocando o seu afofamento ou, como se dizia na Fajã, servia para “abrir” a terra. Mas além deste objectivo primacial, o arado de fero, com a sua poderosa e gigantesca aiveca, cavava um rego no tereno, de tal maneira profundo, que permitia um maior arejamento do solo bem como a sua oxigenação, o que possibilitava um acentuado desenvolvimento de organismos benéficos, provocando a mistura da terra ou com o tremoço cortado e picado ou com o estrume, quer fosse esterco, sargaço ou simplesmente a terra trilhada pela presença do gado.
O arado de ferro, como o nome muito bem indica, era em grande parte construído em fero, tinha uma ponta rija e muito bem afiada e uma enorme aiveca lateral, presa ao timão por um gancho que revirava, ora para um lado ora para o outro, permitindo assim que lavrador a voltasse sempre para o lado do terreno que já estava lavrado. O timão era de madeira, embora, geralmente, emoldurado em ferro, mas muito curto e terminava com uma roda, também de madeira, mas com aro de ferro e que era colocada à altura da aiveca quando esta se enterrava na terra, durante o acto de lavrar. Esta roda tinha como objectivo aliviar o peso do arado quando sulcava a terra e deslocá-lo quando fora do seu uso. Para remover o arado levantava-se-lhe a rabiça, de maneira que a aiveca não roçasse o chão, e abanava-se, operação que exigia força e era obrigatória sempre que se virava de direcção, no fim de um rego. Por sua vez a rabiça, também contrariamente à do arado de pau, era de duas hastes e tinha um suporte manual duplo a fim de que o lavrador efectuasse mais força e a ponta da aiveca entrasse mais profundamente na terra. O timão era preso à canga dos bois por uma corrente de ferro ou um valente cabo, sendo o arado de ferro sempre puxado por duas reses.
O arado de ferro, embora mais sofisticado do que o de pau, era, no entanto um instrumento rudimentar, distinguindo-se, sobretudo pela sua enorme aiveca, maleável e fortíssima e pelos dois cabos verticais da rabiça unidos por uma travessa de madeira fixa. Como em qualquer arado, o de ferro tinha a relha ou ponta, geralmente em forma de V, cuja finalidade era perfurar a terra, por vezes rija e dura e, ao mesmo tempo que o arado se deslocava, perfurando-a. Outra peça importante era a aiveca. Tratava-se de uma enorme e espalmada placa de ferro que tinha como finalidade abrir a terra, formando os regos, ao mesmo tempo que a revirava e misturava. A aiveca prendia no rasto ou rabela, por uma espécie de dobradiça que permitia coloca-la do lado direito ou do esquerdo, tendo em conta o modo como se pretendia virar a terra. Por sua vez, nestes arados, o teiró não era maleável, pois não era necessário fechar ou abrir este arado, como acontecia no de pau. A posição da roda da frente, aliada à força de braços do lavrador, é que decidia a altura ou profundidade de o rego. A Aiveca, por sua vez, possuía um mecanismo que permitia definir a largura do rego e como era um pouco côncava, fixava por vezes, leivas de terra, sobretudo quando esta era mais barrenta. Neste caso era a aguilhada do lavrador que na parte inferior possuía encravada uma lâmina com a qual, no fim de cada rego e sempre que necessário se procedia a essa limpeza.
Na Fajã Grande e creio que em nenhum outra localidade da ilha das Flores se fabricavam estes arados. Eram importados, sendo por vezes adaptados ou alterados parcialmente devido ao tipo de terreno a que se destinavam.
O arado, símbolo de fertilização e produtividade entre muitos povos foi sempre considerado como uma das três maiores invenções da humanidade. Foi após a sua invenção, que se atribui aos egípcios, que a humanidade, embora muito lentamente, transitou do nomadismo ao sedentarismo, provocando, assim, o aparecimento das grandes civilizações agrárias da Antiguidade, nas quais se incluem, para além do Egipto, a Mesopotâmia, a Caldeia, a Assíria e todo o “Crescente Fértil”.