PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O BONECO DE SANTO AMARO
- A velha do Corvo trouxe mais um menino para a nossa freguesia! – Gritava a Augusta Moleira, ao portão da sua casa, lá para os lados da Fontinha.
- Cala a boca mulher! Foi, antes uma bênção Deus para Umblinda que de tanta idade já cuidava que não havia de ser mãe. – Retorquia a Fuinha, de avental ao peito e lenço de clafate a correr para casa da mais recente parturiente da freguesia. – Bem precisa ela de ajuda, coitada.
Foi posto ao menino o mesmo nome do seu pai, Manuel, e como lhe foi acrescentado Inácio Menezes, precisamente igual ao pai, teve que ser Júnior. Nasceu saudável e com a força e a robustez suficientes para sobreviver à mortalidade infantil da época. Mas, para desgosto da progenitora, trazia só um pequeno defeito: na mão esquerda. A meio da falange do dedo mínimo, tinha implantado um outro dedo, pequenino e que não articulava. Era uma excrescência desnecessária e inútil, que no futuro lhe traria até algum desgosto, o que provocava uma enorme angústia na progenitora.
Mal a Fuinha assomou à porta do pequeno cubículo onde se reclinava a Umblinda com o rebento a seu lado e se apercebeu da angústia da mãe e da tumescência que o rebento trouxera consigo ao chegar a este mundo, não se fez rogada. Perante os medos e gritos da Umblina, pegou numa tesoura, desinfectou-a com álcool, procurou o ponto ósseo de inserção do dedo desnecessário e zás. Num ápice cortou cerce o que julgava que estava a mais e que haveria de incomodar o garoto por toda a vida. De seguida fez-lhe um penso com papas de linhaça e embrulhou muito bem a mãozita do pequerrucho.
- Que Deus te cure e conserve. – Profetizou a corajosa curandeira.
- Se o menino escapar – prometia a mãe chorosa e aflita – hei-de fazer um boneco hei-de cozer e oferecer ao Senhor Santo Amaro um boneco de massa sovada do tamanho e do peso do menino.
Mas o garoto era de boa carnadura e, rapidamente, sarou, pese embora os gritos e choros que no momento emitiu. Cresceu saudável, forte e robusto e, pela festa de Santo Amaro do ano seguinte, o maior boneco oferecido a Santo Amaro e a ser arrematado, no adro da igreja, perante o sorriso embevecido da Fuinha, era o da Umblina, que representava o seu Manel.