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O CALHAU DA BARRA

Sábado, 27.06.15

O Poceirão era um enorme lago, uma espécie de gigantesca piscina natural, encafuado entre os rochedos negros do baixio. Tinha forma circular com uma pernada a entrar pela ilha dentro, a terminar no mítico Caneiro do Porto, logo por baixo da Eira. A sua comunicação com o Oceano Atlântico fazia por uma estreita barra, onde pontificava um enorme calhau que havia jus ao nome – Calhau da Barra.

O Calhau da Barra era um enorme e escuro rochedo, povoado de lapas e caranguejos, bem escarrapachado na porta de entrada e saída do Poceirão e como que a protegê-lo das maresias a que o oceano, naqueles meandros, era fértil. Era uma espécie de portal a obstruir as intrigantes investidas das gigantescas ondas que, muitas vezes, ali abundavam. Em dias mais intempestivos e de maior reboliço, o Calhau parecia incapaz de as obstruir e as malditas, acicatadas por fortes ventanias, saltavam como loucas por cima dele e enchiam o Poceirão de espuma branca, transformando as suas águas, habitualmente calmas, numa intrigante e perturbadora revolta. Além disso, traziam consigo enxames e enxames de respingos de salmoura que, não se contentando em ficar por ali, atingiam os cerrados e courelas do Porto, do Estaleiro e da Cambada, cerceando, destruindo, aniquilando as suas verdejantes e promissoras culturas. Um espetáculo deslumbrante e belo para quem passeava por ali, mas um suplício torturante para os agricultores.

De resto o Calhau da Barra permanecia discreto e silencioso. A norte, do lado da Ponta dos Pargos, separava-se de terra por um enorme e profundo valado. Era por aí que entravam e saíam as embarcações. A sul, do lado da Baía da Via d’Água, quase se ligava a terra, através duma espécie de cordão umbilical que eram umas baixas, em horas de maré vaza e de calmaria, com a crista de fora e perfeitamente visíveis à tona d’água. O Calhau tinha a forma duma espécie de campânula gigante, embora na sua vertente oeste, voltada ao mar, tivesse adquirido uma forma lisa, facetada, uma aresta vertical, muito provavelmente, fruto do marulhar contínuo das ondas durante dezenas e dezenas de séculos. Do lado leste, voltado para o Poceirão a sua forma era bem mais oval e a sua estrutura arenosa, em forma de arribas, espécies de degraus, toscos e inteiriçados, que os nadadores mais afoitos subiam com agilidade. Depois, bem lá do alto, atiravam-se de mergulho para o vale da entrada que sabiam possuidor de águas mais profundas e menos perigosas. Como o Caneiro era uma espécie de berçário de nadadores aprendizes, em tardes de calor, sempre cheio de crianças e mulheres a molhar as pernas até ao joelho, muitos rapazes e homens aproveitavam para se banharem em frente ao Porto Velho. Era nessas alturas que os mais afoitos e investidos nadavam até ao Calhau da Barra. Depois subiam-no e mergulhavam bem lá do alto. Chegar ao Calhau da Barra a nado, já era um grande feito. Mergulhar do alto da sua crista um feito notável. Sair pela Barra fora e nadar até ao Cais, um ato heroico. Confesso que o fiz uma vez, acompanhado pelo Cardosinho e pelo José do Urbano! Mas jurei que nunca mais o faria, pois segundo o testemunho de pessoa fidedigna que nos viu de terra, nadámos entre corais e tubarões!

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publicado por picodavigia2 às 00:57





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