PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O CALHAU DAS FEITICEIRAS
Na Fajã Grande, ao cimo da ladeira do Covão, no caminho que dá para o Outeiro Grande e antes do cruzamento da Pedra d’Água, existia, e provavelmente ainda hoje existe, um estranho calhau, que o povo chamava “Calhau das Feiticeiras”.
Tratava-se de um enorme e negro tufo de forma oval, encravado na rocha que ostentava desde a base até ao cume mais de uma dúzia de pequenas pegadas, cuja elegância, delicadeza e graciosidade eram denunciadoras de que pés femininos por ali teriam passado vezes sem conta.
Como este, tantos outros calhaus, montes, morros, ribeiras, lugares e até ilhéus, não apenas na Fajã Grande mas também por toda a ilha das Flores, estão repletos de lendas e “estórias”, umas vulgarizadas outras desconhecidas e que, normalmente, os seus nomes encerram.
No caso do “Calhau das Feiticeiras”, contavam os antigos que as pegadas nele assinaladas tinham sido provocadas pelos pés das feiticeiras que ali viviam escondidas e tantas e tantas vezes o haviam subido e descido que ali deixaram, para sempre, as marcas indeléveis dos seus delicados pezinhos. Pelos vistos, as estouvadas, todos os dias, ao anoitecer, pegavam no corpo de alguém que tivesse tido procedimentos menos correctos, praticado actos indecorosos ou feito algumas diabruras e atiravam-no por ali abaixo para castigo do mal que havia praticado. Depois vinham buscá-lo e voltavam a atirá-lo, procedendo assim tantas vezes quantas as maldades cometidas ou as diabruras praticadas pelo prevaricador.
E eu que passava por ali quase todos os dias, quando ia levar as vacas ao Outeiro Grande!... É verdade que quando subia na companhia das rezes, ou porque me abstraísse com o tilintar as suas campainhas ou porque ainda fosse dia claro, não me assustava rigorosamente nada. Mas no regresso… Quando vinha sozinho, já quase noite!?... Oh pernas!... Cheio de medo, passava junto ao calhau numa correria louca. Às vezes, sobretudo quando partia da relva do Outeiro Grande já lusco-fusco, evitava aquele caminho e esgueirava-me pela Cabaceira. É que embora a distância fosse bastante maior, livrava-me de passar junto ao famigerado esconderijo daquelas malditas, impedindo assim que me agarrassem e me atirassem pelo calhau abaixo… Razões para ser abalroado por elas, tinha eu de sobra…
Verdade, verdadinha, é que nunca me agarraram e lá passei muitas vezes. Mas verdade também que por toda a freguesia era voz corrente de que o pai de tia Aniquinha, há muitos anos falecido, todos os dias, à noitinha, era atirado pelo calhau a baixo.